A bola mede todas as coisas
Era uma tarde de Julho como tantas outras, solharenga e a puxar para a praia, e uns quantos milhares de pessoas lá se juntaram no Estádio Nacional para receber a selecção portuguesa de futebol. Se a fé move montanhas, o futebol move pessoas e é capaz de arrastar multidões para longe de uns banhos de sol de um modo que os mais elementares deveres de cidadania - como o de votar - ainda esperam um dia conseguir.
Por entre o adeptos extasiados, lá veio uma senhora dizer à SIC que o quarto lugar no campeonato do mundo era bom para Portugal, porque dava uma boa imagem do país lá fora e que, graças a isso, os empresários iam querer investir cá, por terem constatado como nós, portugueses, somos tão cheios de coragem e prontos a grandes esforços... Como se o desempenho de uma equipa de futebol fosse mesmo dizer aos empresários o grau de formação profissional dos portugueses, a taxa de (in)sucesso escolar, o nível de acessibilidade em diferentes regiões, o índice de impostos, a organização da máquina fiscal e serviços do Estado, as leis laborais, o ordenamento do território, as fontes de energia disponíveis e o seu preço, entre outras coisas que certamente passam pela cabeça de alguém que deseje investir em terras lusas. No que a hábitos de trabalho diz respeito, o futebol até fala contra nós, ou não fosse este o país onde o parlamento nacional dá o (mau) exemplo de produtividade e responsabilidade e muda o horário das sessões de trabalho a bem de meros noventa minutos de bola.
Já não bastava o messianismo que viu a salvação nacional encarnada num único homem - hoje Presidente da República - agora, tal como no Euro 2004, volta a ouvir-se a ideia de que a prática de um único desporto por umas quantas dezenas de pessoas vai resolver os males de Portugal. Falasse o futebol por um país em toda a sua complexidade e o Brasil teria uma economia de topo e um dos melhores níveis de qualidade de vida do mundo. E se é verdade que a bola é redonda, a cabeça de uns quantos portugueses não deixa de ser quadrada...
2 comentários:
Olá olá:)Ai que bolinha tão deliciosa a fazer-me lembrar as blueberry pies, que saudades!!! A propósito do que escreveste, lembrei-me de uma coisa.. há uma semana ou duas, estava a ouvir a TSF à tardinha e o programa era um fórum telefónico sobre qualquer coisa a ver com futebol (até acho que era a saída do Scolari depois do Mundial!). E ouvi muita alminha ligar para lá e dizer de sua justiça com uma veemência que era capaz de fazer chorar os pregos da cruz de Cristo. Eu acho o futebol uma coisa muito positiva, só que embora haja imensa gente com opiniões bem definidas em relação ao futebol e que as distribuem a quem as quiser (ou nem por isso) ouvir, as mesmas pessoas não são capazes de ter uma opinião (e segui-la) em relação a deitar o lixo nos sítios correctos, poupar energia, estarem na praia sem ser aos berros, basicamente portarem-se como seres humanos decentes. Ai ai, as prioridades andam muito trocadas na generalidade das cabeças... Beijinhos e BOA PRAIA!!!! PS: vai preparando o mata-moscas, pk tão a chegar os emigrantes!! "Pierre!! Vien ici caraças senão levas uma solha!!!"
As eventuais vitórias futebolísticas são de facto encaradas como a poção mágica para a cura miraculosa da depressão portuguesa. Tudo bem, quando se trata do cidadão comum. Nada bem, quando se trata da comunicação social: o primeiro-ministro foi entrevistado à saida do estádio em que se perderam as ilusões de glória, facto que, apesar de legítimo, denuncia o mecanismo projectivo do filho desapontado: "e agora, pai, que vai ser de nós?".
Como se a comunicação social não tivesse o dever cívico de ser, digamos assim, pedagógica, para quem justifica a sua existência, isto é, o cidadão.
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