sábado, junho 10, 2006

Dia de Portugal

Já que o 10 de Junho é uma altura fértil em manifestações da extrema-direita, sentimentos nacionalistas ou patrióticos de outros menos extremos ou mais ao centro, elogio da portugalidade em Portugal e no mundo pelo status quo e um certo desdém entre a esquerda, talvez não seja má ideia analisar a raíz de umas quantas palavras a que tantas vezes atribuimos conotações imediatas.

Pátria identifica muito simplesmente a terra natal, o sítio de origem. Apesar de em português ser uma palavra feminina, o sentido original é masculino via o sufixo patri-, que vem vem do latim pater (pai). O equivalente feminino seria Mátria e a título de comparação veja-se, por exemplo, o inglês Motherland e Fatherland. Por extensão, o termo pode também identificar a terra à qual se pertence ou, para usar termos políticos, o Estado do qual se é cidadão.

Nação, por estranho que possa parecer, chegou a significar ainda no século XIX única e simplesmente o agregado dos habitantes de uma província, um país ou um reino. Posteriormente, seria, como hoje, sinónimo de um corpo linguístico-histórico-cultural distinto, independentemente de estar provido ou não de um Estado, isto é, de um corpo político autónomo. Para mostrar que Estado e nação não são necessariamente sinónimos - coisa que o PP espanhol ou os conservadores americanos têm dificuldade em compreender - basta olharmos para exemplos dos nossos dias: o Reino Unido alberga no seu seio diferentes blocos linguistico-histórico-culturais (galês, escocês, etc.) que, se as suas populações os identificarem como tal, podem constituir nações distintas dentro de um mesmo Estado com sede em Londres; a ex-Jugoslávia é um exemplo acabado do que sudece quando fracassa uma estrutura política multinacional, enquanto aqui mais ao nosso lado há três identidades nacionais dentro do Estado espanhol - a galega, a catalã e a basca - de resto reconhecidas como "nacionalidades históricas" pela própria Constituição de Espanha.

E não se pense que nacionalismo equivale automaticamente a uma ideologia de direita - extrema ou não - de superioridade racial e xenófoba. Basta olhar para o outro lado da nossa fronteira e ver como os nacionalismos regionais em Espanha são de esquerda, com o BNG ou o NÓS-UP na Galiza ou a Esquerda Republicana na Catalunha. Nacionalismo, na acepção saída posteriormente no século XIX, identifica apenas o proteger e valorizar de elementos que formam a identidade nacional (a língua, a paisagem, os usos e costumes, os traços tradicionais nas construções, etc.), algo que é particularmente notório nos nacionalismos regionais espanhóis em relação às questões das línguas catalã, basca e galego-portuguesa, por exemplo. E não implica necessariamente ideias de superioridade, de imobilismo cultural (como a recusa em aceitar novos modelos de família) ou sequer de pureza racial, conceito por si só falacioso, mas que no caso dos portugueses é uma autêntica anedota, já que pelo que hoje é Portugal passaram e radicaram-se ibérios, celtas, romanos, germanos e africanos, apenas para mencionar os mais óbvios. A extrema-direita tem gosto em afirmar-se como sinónimo de nacionalismo, mas o que apresenta é uma colagem inconsistente de figuras e motivos com uma muito pouco saudável dose de ódio pelo meio (ou como motivação básica). Como já alguém disse numa edição do Opinião Pública na SIC Notícias, o nacionalismo de personagens como o Mário Machado é disso um óptimo exemplo, uma vez que diz-se português, mas no meio da sua mensagem xenófoba faz uso de símbolos e personagens históricas em nada relacionadas com Portugal.

O que é, então, um patriotismo responsável e são de mente? O da plena integração na vida da pólis: pagar os impostos, cumprir os deveres de cidadão (como o ir votar), usufruir de direitos (como o de assembleia), participar activamente na vida cívica do meu país (algo de que este blogue pretende ser um mecanismo), valorizar a língua materna, conhecer a História do país, respeitar e proteger os seus monumentos históricos e respeitar e proteger a sua paisagem natural. E tudo isto independentemente do sexo, raça, condição social ou orientação sexual.

Devaneios futebolísticos (desculpa o uso do termo, Max :p) ou irracionalidades e babuseiras racistas e xenófobas são formas superficiais que denunciam vazio de ideias e práticas. Mário Machado não parece ter qualquer respeito por pessoas nascidas e criadas em Portugal a partir do momento em que têm um tom de pele mais escuro e, de entre todas as pessoas que estão neste momento com a febre do mundial e consideram anti-patriótico não ter uma bandeira à janela, eu ainda gostava de saber quantas alguma vez foram votar ou fazem parte de uma associação cultural ou ambientalista, local ou nacional....

1 comentário:

Anónimo disse...

eheheheheheh

lembrete para mim: registar o copyright do nome Devaneios :)))

Um abraço, amigo heliocoptero