sexta-feira, setembro 29, 2006

Pensar duas vezes antes de silenciar

O que aconteceria se um jornalista tivesse escrito um artigo critico da última proposta governamental e o dito texto não fosse publicado por medo de ofender os membros do executivo nacional? Qual seria a nossa reacção se um artista preferisse não publicar uma caricatura igual a tantas outras sobre figuras públicas com receio de ofender as pessoas retratadas? O que sucederia se um artista se recusasse a representar numa peça satírica a morte de um político ainda em funções, não vá ele sentir-se ofendido e depois haver problemas?

Certamente que qualquer um destes casos daria azo a sentimentos de indignação e de condenação, por limitar a liberdade de expressão que tanto tempo levou a conquistar e que é um dos alicerces da democracia. Porque há que não esquecer que um regime democrático pressupõe o debate e o confronto de argumentos, o que implica a vital liberdade de poder criticar, questionar e satirizar. E se admitimos que assim o é para políticos, artistas, cientistas, académicos e jornalistas, sejam as suas opiniões pessoais ou os seus projectos colectivos, porque é que há-de ser diferente quando a coisa diz respeito a religiões? Não são os seus representantes figuras públicas e os seus membros parte da mesma sociedade civil que todos nós? Não são os seus símbolos, crenças e iconografia coisas exotéricas, acessíveis a todos, publicadas em livros e revistas, falados em debates, visíveis ao olho nu de quem passa frente a um templo? Não falam os seus sacerdotes e crentes da sua fé em público e em privado, na televisão e na rádio, nos jornais e nos panfletos proselitistas? Não são eles e as suas crenças, enfim, tão parte do espaço público como os políticos, artistas, cientistas e académicos, jornalistas e economistas?

Então porque é que teimamos em achar que as religiões devem ser hermeticamente protegidas do mesmo nível de critica, debate, sátira e humor a que tudo o resto na nossa sociedade está sujeito? Porque é que podemos publicar caricaturas de figuras públicas, mas é tão complicado fazê-lo com figuras religiosas? Porque é que a sociedade civil há-de ser regida pela sociedade religiosa e proibir a todos os cidadãos - ateus ou crentes noutras religiões - aquilo que uma fé proibe aos seus seguidores?

Vem isto tudo a propósito da suspensão pela Ópera de Berlim da adaptação de Hans Neuenfels da peça Idomeneu, Rei de Creta (ver aqui), que inclui uma cena em que o monarca exibe as cabeças de Posídon, Jesus, Buda e... sim, advinharam: Maomé! Como os fundamentalistas e crentes fervorosos do Islão fazem questão que caia o Carmo e a Trindade cada vez que alguém se "atreve" a pôr em causa os seus dogmas ou fugir à norma de representação dos seus símbolos, a directora da Ópera de Berlim decidiu-se pela auto-censura, principalmente depois dos episódios das caricaturas e do discurso de Bento XVI.

Freitas do Amaral certamente que concorda com a decisão e assim é que nós, europeus, fazemos o jogo dos fundamentalistas, ao recusarmo-nos a questionar, debater, criticar e satirizar uma religião presente nas sociedades ocidentais, mas cujas regras de abertura alguns dos seus crentes recusam-se a seguir, a bem de uma prevalência do religioso sobre o civil. É o abandono voluntário da elementar liberdade de expressão e a cedência às ameaças de quem a repugna.

1 comentário:

Anónimo disse...

Pode-me contactar, por favor, para Rui.Almeida@Liberal-Social.org.

Obrigado.