Línguas europeias (ii) - o galês
Girava o mundo por alturas do ano 390 a.c. quando um chefe celta que ficou conhecido pelo nome de Brennus liderou um exército de gauleses cisalpinos e entrou pela península itálica a dentro. Depois de ter derrotado o exército romano junto ao rio Allia, marchou sem oposição até Roma e conquistou toda a cidade... Toda? Não! Uma pequena colina romana - a do Capitólio - resistiu e continuou a resistir ao invasor e a vida não estava fácil para os guerreiros gauleses, que ou eram subornados, ou dizimados pela doença, ou encurralados por reforços romanos. Brennus acabou por abandonar a urbe e Roma lá se livrou do domínio gaulês. Tivesse a história sido outra e hoje estariamos provavelmente a falar uma língua celta ou cartaginesa, mas a ascensão romana ditou o domínio do latim e os idiomas de Brennus e companhia recuaram inexoravelmente. Actualmente, a sua presença na Europa concentra-se na região francesa da Bretanha e nas Ilhas Britânicas, onde o destaque vai para o País de Gales: de todas línguas celtas que chegaram aos nossos dias, o galês é a que melhor tem recuperado e é actualmente a mais falada.
Em termos de classificação, é um idioma celta britónico tal como o bretão em França e o cornualho, extinto desde o final do século XVIII, mas actualmente alvo de tentativas de recuperação na Cornualha. A outra família de línguas celtas sobreviventes é o Gaélico, à qual pertence o irlandês e escocês antigos e ainda o manx, idioma da ilha de Man. No passado teria existido também um grupo gaulês e outro celtibério, mas o latim tomou-lhes o lugar desde muito cedo.
Os primeiros registos de galês datam do século VI. São vestígios escassos, mas que permitem já uma identificação da língua na sua versão mais arcaica e é preciso avançar até ao século IX para se ter algo mais significativo com um texto intitulado Cynfeirdd. Mais tarde, algures entre 1050 e 1170, é escrito em galês médio o Mabinogion, uma colectânea de antigos contos tradicionais galeses transmitidos até então por tradição oral. Seria um pronúncio da época áurea que se seguiria entre os séculos XII e XIV, graças ao patrocínio de nobres e príncipes locais que empregavam poetas galeses a fim de que estes imortalizassem os feitos e glórias dos seus patronos.
A união com Inglaterra entre os anos 1536 e 1542 marcou o começo do declínio da língua galesa. À semelhança do que sucedeu com o galego-português na Galiza e com o occitano, a união com a coroa inglesa trouxe a ascensão do inglês a idioma oficial em detrimento do galês que, muito embora não tivesse sido proibido (sorte a dele!), perdia o seu estatuto e sofria agora a pressão do bilinguismo numa época de baixa alfabetização. De então para a frente, a perda de falantes seria uma constante, atenuada apenas pela tradução da Biblia para galês em 1588, o que permitiu um grau de preservação da língua entre as camadas populares por via da liturgia religiosa. O século XVIII trouxe as primeiras manifestações de recuperação de uma tradição literária, mas a Revolução Industrial seria nefasta para a regeneração do galês devido ao fluxos migratórios que criou, tanto do meio rural para o urbano dentro do País de Gales, como pela chegada de novas populações inglesas. Posteriormente, a queda na participação em ritos religiosos e a massificação de media em inglês reforçaram uma perda de falantes já de si acentuada, não obstante a restituição da oficialidade da língua em 1942. Em 1981, apenas 19% dos galeses sabiam falar a sua língua nativa.
A recuperação começa apenas dez anos mais tarde. O censo de 1991 registou a estagnação da perda de falantes, que continuavam a somar cerca de 19% da população, algo a que não terá sido estranha a ascensão do nacionalismo galês que em 1997 levou à vitória no referendo sobre o estabelecimento de um parlamento nativo. Ainda no século XX, a criação de uma estação de televisão e rádio galesas e a obrigatoridade em aprender galês para todos os cidadãos do País de Gales com menos de 16 anos permitiu não só reforçar a estagnação do processo de declínio, como ainda aumentar em 2% o número de falantes, de acordo o censo de 2001. O mesmo estudo revelou ainda o aumento do conhecimento da língua entre os mais novos, com 39% das crianças galesas entre os 10 e os 15 anos de idade a serem capazes de falar o seu idioma nativo. Bons pronúncios para o galês, portanto, e ainda bem que assim o é!
A continuar a tendência que tem sido registada desde o princípio do século, o idioma de Gales será um caso de sucesso entre as línguas minoritárias europeias, muitas delas ainda em declínio por falta de políticas de protecção e revitalização consequentes da parte dos governos centrais e regionais. Podem encontrar mais informação sobre o galês nos seguintes sítios:
Mesa da Língua Galesa
Wikipedia on Welsh
História e Estatuto da Língua Galesa
Informatório Galês
Poesia Galesa
E para os mais curiosos, cliquem aqui para ouvir umas quantas amostras ;)
2 comentários:
É sempre com prazer que leio estes textos que nos remetem para (as origens d)a identidade dos povos. Bem andamos a precisar de procurar tudo o que contribua para dar consistência ao sentido da vida.
Este blog é prestígio! :D
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