terça-feira, outubro 10, 2006

Diferentes ou nem por isso

Podem estar nos antípodas um do outro, mas há uma coisa em que o Partido Popular espanhol e a ETA parecem estar de acordo: desdém pelo processo negocial democrático. E isto porque ambos insistem em resolver problemas ou emancipar causas por meio da repressão e uso da força, confirmando que os opostos afinal tocam-se, neste caso opostos ideológicos.

Olhe-se para o grupo nacionalista basco. Após décadas de atentados terroristas e assassinatos selectivos, Euskadi enquanto entidade política independente do Estado espanhol não está mais próxima de ser uma realidade do que estava há trinta anos, após a proclamação da autonomia ainda hoje vigente. Aliás, o que então se consegui avançar em relação aos tempos de Franco foi possível pelas reformas políticas que culminaram na Constituição Espanhola de 1978. Daí para cá, a via da violência pouco ou nada conseguiu para além de mortos e a criação da ideia de que o nacionalismo basco anda de mão dada com a violência, associação que tantos sorrisos deve ter esboçado entre a direita espanhola. E no momento em que as comunidades autónomas de Espanha revêem os seus estatutos e reconhece-se mais claramente o caractér multinacional do país - a Constituição de 1978 já reconhecia a existência de "nacionalidades históricas" - o País Basco está ainda a mãos com o problema que é a ETA e tem o seu processo de revisão estatuária congelado.

Por constrate, a Catalunha está um passo mais próxima da independência: é reconhecida como nação, o novo estatuto prevê a retenção da maioria das receitas catalãs nos cofres da comunidade autónoma, a autoridade da Guarda Civil espanhola foi transferida para os Moços de Esquedra catalães e é finalmente um dever conhecer a língua catalã, como de resto já acontecia com o castelhano desde 1978. Tudo possível graças a longos anos de trabalho que fizeram da esquerda nacionalista catalã uma peça de peso da comunidade autónoma a ter em conta na arena política em Madrid. Por outras palavras, a Catalunha apostou desde há muito nas virtudes do processo negocial em democracia e colheu os frutos de uma autonomia mais alargada. Já o País Basco continua onde estava há trinta anos atrás, com a agravante de as suas intenções separatistas terem perdido credibilidade (por inevitável associação ao terrorismo) e o seu principal partido independentista ter sido ilegalizado (não consta que a Esquerda Republicana da Catalunha padeça do mesmo mal). E ainda assim a ETA parece querer insistir no mesmo caminho estéril (ver aqui). Gandhi teria muito a ensinar a este gente...

No extremo oposto do espectro político, o PP espanhol revela o mesmo desdém pela via negocial: para o problema basco tem como única reposta a repressão, aos pedidos de maior autonomia onde não existe separatismo terrorista responde com um imobilismo quase total. Basta ver a atenção que Aznar (não) deu à revisão das autonomias quando se encontrava no poder. Para o PP, Espanha é um Estado-Nação indivisível e preferencialmente monolingue, ou não tivesse o partido sido fundado por um ex-ministro de Franco. E agora que a investigação a um relatório que ligava os atentados do 11 de Março à ETA confirmou que o dito documento foi falsificado (ver aqui), o PP bem que se podia finalmente resignar a um facto que nunca aceitou: que perdeu as últimas eleições legislativas espanholas contra todas as sondagens anteriores aos atentados de Madrid, abrindo assim caminho a Zapatero e às reformas que tanta confusão fazem aos populares: direito ao casamento e adopção por homossexuais, novos estatutos das comunidades autónomas, revisão das relações entre o Estado e a Igreja, nova lei da memória histórica da Guerra Civil e negociações com os nacionalistas bascos mediante o fim permanente das actividades terroristas.

E tudo porque Aznar caiu no mesmo erro que a ETA: fez da violência um meio oportuno e razoável, no seu caso contra o Iraque, mesmo quando se tratava de uma invasão sem lei e sem planeamento sério. Não o tivesse feito e talvez não tivesse havido atentados. Não tivesse havido atentados e o PP não teria perdido as eleições. Tal como com o nacionalismo basco, o recurso insistente e indiscriminado à violência tem um preço a pagar e não costuma ser pequeno.

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