quinta-feira, outubro 12, 2006

Dizem os conservadores

Em entrevista ao Diário de Notícias, o bispo do Porto, D. Jorge Ortiga, teceu comentários a respeito do novo referendo sobre a despenalização do aborto (diferente de liberalização, por mais que a retórica do PP diga que não). Deste conjunto de parágrafos no jornal português não surgem grandes surpresas por entre o habitual discurso religioso da alta hierarquia católica portuguesa, mas o excelentíssimo senhor e devoto bispo disse uma coisa que vale a pena comentar: queixando-se de falta de consciência cívica, lamenta ele que "as pessoas votam muitas vezes deixando-se levar por outros, sem uma verdadeira opção pessoal". Adjectivemos estas palavras de curiosas, para não lhes chamar outra coisa cuja penitência podia exigir a compra de um qualquer perdão papal. Curioso, dizia eu, que um sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana diga isto, já que a insistência do Vaticano em controlar, condenar e censurar o que pensam, dizem, lêem, escrevem e fazem os seus fiéis é proverbial e não exclui a determinação do sentido de voto dos crentes. E quando não concordam, há sempre a possibilidade de excomungar este ou aquele e mais alguém que se atreva a falar contra os decretos de uma Inquisição, perdão, Congregação para a Doutrina da Fé. Alguém se lembra desta polémica aquando das últimas eleições presidenciais norte americanas?

Enquanto isso e ainda por cá, mas num assunto apenas político, Marques Mendes apresentou o pacote anticorrupção do PSD (ver aqui). O aumento do orçamento da Polícia Judiciária e o reforço da legislação contra a corrupção desportiva são propostas bem vindas, mas fica por esclarecer porque é que os os sociais-democratas só se lembraram disto agora e não aquando do pacto de regime com o PS. Teriam eles pensado que a ausência no acordo de tão elementar área da justiça ia passar em claro a bem das conivências locais, clientelismo e tráfico de influências que fazem parte do dia-a-dia dos partidos políticos portugueses? Ou o PSD continua naquela ridícula mania de ver em Cavaco Silva um pastor de qualidades sacro-santas de um rebanho laranja ou mesmo nacional? Foi preciso esperar pelas perguntas sobre o dito pacto e pelo discurso presidencial do 5 de Outubro para se apresentar propostas anticorrupção? Que bem que vão os sociais-democratas...

Finalmente, lá fora, mais propriamente no Parlamento Europeu, discute-se e prepara-se a votação de um relatório que insta a Comissão Europeia a salvaguardar a protecção dos animais em todo o território comunitário e, consequentemente, a "pôr fim ao combate de touros através de legislação nacional ou comunitária, conforme apropriado, e a assegurar que as pessoas em causa não recebam qualquer subsídio estatal ou nacional relacionado com as suas actividades" (ver aqui, último título). Já consta que os eurodeputados portugueses e espanhóis pediram a alteração do texto de modo a evitar a inclusão das touradas. O argumento? O de sempre: a tradição! Como se ela bastasse para se justificar a ela mesma. Pela mesma ordem de ideias seria ainda hoje lei a proibição de fachada pública de todos os templos não-católicos, a bem de um tradicionalismo religioso português.

3 comentários:

Rui Maio disse...

Quem costuma «brincar» brilhantemente com estas "teimosias" incompreensíveis da Santa Madre Igreja é o autor David Lodge (no romance "O Museu Britânico ainda vem abaixo")! E está intimamente ligado a esta temática, embora brinque com o facto de a Igreja não permitir (há cerca de 20/30 anos) o uso dos preservativos. Se calhar quanto mais "pancada" lhes damos, mais orgulho têm em ficar sós! Já dizia o Herman: "Ninguém explica, ninguém explica!" (porque é que são contra: é só mesmo para dizer que não!)
Enfim...o que é se pode fazer? Também são pessoas com direito à vida! :D

João Dias disse...

Gostei do escalonamento do texto:
Uma notícia má (mas previsível), uma notícia que parece não dizer nada e uma boa notícia.
Mas aquela que me vai ficar na mente é a boa...para variar.

Rita disse...

Eu acho que sim.. há coisas que tradicionalmente temos que manter, porque elas é que constituem a nossa identidade cultural, mesmo que a dita seja algo de que nos envergonhamos. Juntamente com as touradas, devia-se ressuscitar a virgindade obrigatória até ao casamento com lençol posto em hasta pública após a noite de núpcias, a escravatura de gente importada de África e a porrada nas mulheres como terapia conjugal. Estou até a pensar fazer uma petição sobre isto e enviar ao Paulo Portas.
Abraço:)