sexta-feira, outubro 27, 2006

Línguas europeias (iii) - o frísio

No capítulo XXXIV da sua Germania, ao descrever as tribos germânicas que habitavam as margens do rio Reno, o autor romano Tacitus refere um povo chamado Frisii, cuja terra se encontrava no que é hoje o centro e norte dos Países Baixos. E de todo o aglomerado tribal descrito por Tacitus, os Frisii são um dos raros casos em que é possível traçar a sua história, desde os tempos romanos até aos nossos dias: hoje chamamos-lhe frísios e a actual região holandesa que dá pelo nome de Fryslân é apenas parte da Frísia Antiga. Terão mesmo chegado a estabelecer-se na Bretanha, Inglaterra e Escócia e Dinamarca. Mas saltando da larga dispersão geográfica deste povo para a dispersão linguística, da sua língua há actualmente três variantes já ininteligíveis entre si: o frísio ocidental, o frísio do norte e o muito dialectado Sater Frisian, restício de um ramo oriental e hoje falado apenas num pequeno recanto do norte da Alemanha. Qualquer uma delas é um idioma germânico ocidental e, como tal, indo-europeu.

Do frísio antigo dos tempos de Tacitus não existe qualquer registo e é preciso chegar-se ao século IX para se ter documentos que conservam uma primeira forma medieval da língua. Durante a Idade Média, o frísio foi usado e escrito em toda a costa sul do Mar do Norte e tinha como língua mais próxima o inglês. Ainda hoje assim o é, muito embora e por estranho que pareça, as duas sejam ininteligíveis. O motivo está nas influências posteriores, do francês e latim sobre o inglês e do neerlandês e alemão sobre o frísio. Se este processo pode ser considerado normal por motivos geográficos, ele acentuou-se com queda do centro da cultura frísia: corria o ano de 1498 quando o Duque Alberto da Saxónia tomou a região holandesa de Friesland (Fryslân) e decretou o neerlandês como língua oficial. À semelhança do que sucedeu com o português da Galiza na Península Ibérica, o frísio foi então desprovido de uma tradição escrita e converteu-se numa língua que sobrevivia essencialmente pela transmissão oral no meio rural. Terminava o período do frísio medieval e abria-se o do frísio médio.

No rol de governantes da Frísia seguiram-se os famosos Habsburgo, cujo mais ilustre monarca - o imperador Carlos V - criou os Países Baixos enquanto entidade política unificada sob o seu domínio. A língua frísia, no entanto, nada ganhou com isso, nem com a independência holandesa em 1585, já que esta confirmou o domínio do neerlandês no uso público e oficial. Mas como por vezes nem tudo é mau, algumas décadas mais tarde surge o primeiro sinal de revitalização do frísio pela mão de um poeta chamado Gysbert Japix. Nascido precisamente na Friesland, tomou como missão defender a sua língua materna e devolveu-lhe a uma forma literária. Com ele começa a ganhar forma o frísio moderno, mas é preciso esperar até ao século XIX para que nasça a versão actual da língua e se multiplique o número de autores que a usem na escrita.

Foi só em 1956 que o frísio voltou a adquirir um estatuto oficial que o equiparou ao neerlandês na Frísia holandesa, retomando o uso público e passando a ser tolerado nos tribunais. Em 1980 tornou-se numa disciplina obrigatória nas escolas primárias frísias e a partir de 1993 também nos primeiros anos do ensino secundário. A toponímia foi oficialmente traduzida para frísio, a começar pelo próprio nome da região, que passou de Friesland para Fryslân. Em 1995, o governo holandês reconheceu o direito a usar frísio nas assembleias loais e regional da Frísia e em 1997 é expressamente reconhecido o direito de usar a língua em qualquer tribunal holandês. É actualmente o segundo idioma oficial dos Países Baixos.

Quanto ao número de falantes, a quantificação é dificultada pelo facto dos censos holandeses nunca terem incluido uma pergunta sobre a língua usada pelos cidadãos (nem sequer sobre o neerlandês), pelo que os dados existentes baseiam-se em estimativas. Dito isto, um estudo de 1994 calculou que 94% da população da Frísia conseguia entender frísio, 74% falar, 65% ler e apenas 17% escrever. Todas as aptidões revelaram uma ligeira queda desde 1980 com a excepção da capacidade de escrita, que aumentou cerca de 5%. O uso em casa rondava os 55% e mantinha-se o padrão de predominância no meio rural.

Os números são, apesar de tudo, animadores, na medida em que os elevados índices de compreensão e expressão oral fornecem uma boa base de trabalho com vista à plena recuperação do idioma. Deixo-vos com uma pequena amostra - mais propriamente com o Pai Nosso em frísio - e com uma lista de ligações onde podem encontrar mais informação:

Us heit, dy't yn de himelen binne; jins namme wurde hillige. Jins keninkryk komme. Jins wollen barre allyk yn 'e himel, sa ek op ierde. Jow ús hjoed ús deistich brea. En forjow ús ús skulden, allyk ek wy forjowe ús skuldners. En lied ús net yn forsiking, mar forlos ús fan 'e kweade, Hwant Jowes is it keninkryk en de krêft en de hearlikheit oant yn ivichheit..

Wikipedia on Frisian
História dos Frísios
Academia Frísia
Eurolang on Frisian
Dicionário de Frísio - Inglês

3 comentários:

Rui Maio disse...

este post deu-me vontade de soltar uma frase que há já algum tempo vinha fervilhando na minha mente acerca deste blog:
"Este blog é prestígio!" e também é cultura! É línguas europeias, é bandeiras portuguesas, é personalidades históricas...
Oh Hélio, como é que arranjas tempo para estudar isto tudo?

Héliocoptero disse...

LOL! Oh, prazer na coisa. Cultivo-me pela pesquisa que tenho necessariamente que fazer e cultivo também quem lê.

O saber não ocupa lugar ;)

Rui Maio disse...

é, e ao mesmo tempo vais fazendo resumos da matéria!