terça-feira, outubro 03, 2006

Primeiras duas mães

Espanha some e segue na defesa dos direitos dos seus cidadãos homossexuais. Depois deste primeiro casamento gay entre militares que teve lugar o mês passado em Sevilha, agora foi Barcelona a ter a honra de ser o local de origem do primeiro casal homossexual a conseguir adoptar uma criança (ver aqui), naquele que é o primeiro caso desde a aprovação da lei que permite a plena constituição de família por casais do mesmo sexo. Segundo a Conselheira do Bem Estar e da Família da Catalunha, "o mais importante na adopção é que a criança seja a beneficiada, que ele ou ela seja amada, cuidada, respeitada e não maltratada."

De olhos postos no que se passa do outro lado da fronteira, onde acaba o conceito de família de muitos deputados e fidelissimos católicos portugueses, a edição da manhã de hoje do Opinião Pública debruçou-se precisamente sobre a adopção de crianças por casais homossexuais. Da convidada do programa não se ouviu nunca uma tomada de posição clara a respeito do tema, tendo-se limitado em larga medida a referir a legislação existente e o sistema vigente. Já da parte do público sentadinho em casa a coisa deu pano p'ra mangas.

O argumento contra que mais se ouviu foi, como sempre, o de que será da criança criada por dois homens ou duas mulheres, que não será nunca emocionalmente estável por falta de um modelo masculino e outro feminino. Foi repetido por pessoas dos vinte e picos até aos setenta e tal anos de idade porque, como toda a gente sabe, todos os homossexuais são filhos de homossexuais... Não lhes terá por ventura ocorrido falar também contra as familias monoparentais, em que a criança cresce só com a mãe ou o pai sem que com isso a sociedade se mostre particulamente chocada com a falta de modelos. Foi preciso um telespectador falar da sua experiência de filho de pais divorciados e criado apenas pela mãe e referir-se ainda a ausência de estudos que comprovem que crianças criadas por homossexuais são emocionalmente instáveis. Pelo contrário, os que existem demonstram precisamente que não é algo que tenha efeitos nefastos sobre o seu desenvolvimento.

Também houve quem soasse o alarme com os hipotéticos comentários dos colegas de escola das crianças, coisas ao género de «aquele é o teu pai e não tens mãe?» ou «como é que é isso de teres dois pais e duas mães?» São perguntas apenas possíveis num mundo onde a homossexualidade é tabu, uma coisa vergonhosa a evitar mencionar, precisamente aquele onde cresceram pessoas que hoje têm cinquenta ou mais anos. Em Espanha já se percebeu que as mentalidades mudam com a mudança do que é habitual, motivo pelo qual se reconheceu legalmente a normalidade dos casais homossexuais, tal como há anos atrás se fez o mesmo em Portugal pelo casais divorciados. Até porque a respeito dos filhos de pais separados também se podia dizer o mesmo sobre os comentários dos colegas de escola («ah vives sozinho com o teu pai?»), mas não foi por isso que se proibiu o divórcio de casais com filhos, pois não?

E claro que quase todos os que falaram contra a adopção por casais do mesmo sexo fizeram questão de dizer que não tinham nada contra a homossexualidade, numa "notável" tolerância passiva que em muitos casos estala assim que se descobre que há um gay lá em casa e, oh mal de mim que eu pensava que isto só acontecia aos outros, é logo o meu filho. Hipocrisia para dar e vender.

3 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem mas Barcelona é Catalunha não Espanha, aliás a capital...
ai ai ai

Héliocoptero disse...

Perdão perdão! :p

O que dizes é 100% verdade, mas como a lei que permite o casamento e adopção por homossexuais aplica-se a todo o Estado espanhol e não apenas à Catalunha...

Al Cardoso disse...

So me resta acrescentar: "Pois"