Quando um rei abre caminho à democracia
Chama-se Jigme Singye Wangchuk e é o quarto soberano do Reino do Butão. Ou melhor, era, porque esta semana ele abdicou de livre vontade. Nada que surpreenda por completo os seus súbditos, uma vez que o monarca já tinha anunciado que o ia fazer em 2008, mas a bem de uma melhor preparação do príncipe herdeiro - assim o diz a justificação oficial - o abandono do trono teve lugar mais cedo. É o último episódio de uma política de descentralização do poder que culminará com as primeiras eleições livres do país em 2008.
Com uma fundação nacional que data do século XVII, o Butão tornou-se numa monarquia absoluta em 1907 sob influência britânica. Em 1952, sobe ao trono o terceiro monarca butanês com o desejo de mudar o país. Começou por abolir o sistema feudal e libertar os servos que ainda existiam no reino, renunciando depois ao direito de veto sobre a Assembleia Nacional e concedendo a esta o poder de obrigá-lo a ele e aos seus sucessores a abdicar se tal for decidido por uma maioria de três quartos. Estabeleceu também laços diplomáticos com o mundo exterior, principalmente depois da invasão e ocupação do Tibete pela China em 1959. A ameaça de anexação pendia (e pende ainda) também sobre o território butanês e o rei sabia que a sobrevivência do país face ao vizinho chinês dependia (e depende) das relações com o resto do mundo. Em 1971, o Butão entrava oficialmente para as Nações Unidas. No ano seguinte, o monarca morre subitamente e é sucedido pelo seu filho de 17 anos, o até há três dias quarto rei da pequena nação dos Himalaias.
Jigme Singye Wangchuk seguiu o projecto políico do seu pai, tentado abrir e modernizar o país e ao mesmo tempo preservar a sua identidade cultural e património ambiental. Esse projecto foi sintetizado pelo rei no conceito de Felicidade Interna Bruta, por oposição ao de Produto Interno Bruto. Em 1998, o monarca estabelece o ensino obrigatório do Dzongkha, a língua nacional butanesa, e transfere parte dos seus poderes. Em 1999, surge o primeiro canal de televisão e o primeiro cibercafé do Butão. Em 2005, ao fim de quatro anos de trabalho, é apresentada uma proposta de Constituição de trinta e quatro artigos que deverá ser referendada pela população, ao mesmo que tempo que o rei anuncia que abdicará em 2008 para coincidir com as primeiras eleições.
Não se pense, no entanto, que se está a falar de um paraíso. O Butão tem problemas sociais como qualquer outro país e não está isento de falhas em matérias de Direitos Humanos, nomeadamente no que à minoria nepalesa diz respeito. Ainda assim, tendo em conta que a lenta, mas certa democratização está a ter lugar por vontade de uma monarquia que detinha o poder absoluto e em completo contraste com o que se passa na China e no Nepal, o Butão é em muito um bom exemplo para o mundo. Que continue a sê-lo até ao fim.
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