terça-feira, janeiro 30, 2007

Dever de gerar

Rico que é em pequenas curiosidades, o discurso dos defensores do «Não» à despenalização do aborto tem destas coisas. Dizem eles que permitir a interrupção voluntária da gravidez fora das três excepções actualmente consagradas na lei é uma política anti-natalidade. Ainda esta noite, no programa Prós e Contras, ouviu-se isso mesmo, inclusive com uma referência ao fecho de maternidades por esse país fora. Há neste argumento duas coisas a ter em conta.

Em primeiro lugar, que a consequência lógica a retirar é que a gravidez forçada é um método aceitável para o aumento da natalidade. Deduz-se do que dizem defensores do «Não» que o Estado tem o direito de obrigar as mulheres a terem crianças para o bem do país, sob pena de serem presas, julgadas e condenadas se abortarem no início do período de gestação. Pela mesma ordem de ideias, não se percebe porque é que não defendem igualmente a recriminalização do aborto por motivo de violação: está grávida, logo deve continuar assim para o bem da taxa de natalidade do país! Criminalize-se, igualmente, todas as mulheres que vão abortar a Espanha: mesmo em território estrangeiro, cada aborto feito em Badajoz é menos um português que nasce. E, já que é moda contraditória entre os defensores do «Não» dizer que a mulher não deve ser presa por abortar, substitua-se, então, a dita pena pela inseminação artificial por decisão judicial. Afinal, se concebem que a gravidez forçada é uma forma de política de natalidade, também não lhes deve custar muito conceber que a mulher que retira um feto tem o dever de aceitar outro.

E depois... depois, em segundo lugar, fica a questão de quando é que entre os defensores do «Não» vai surgir quem argumente que o celibato de clérigos católicos é uma prática anti-natalidade e que a Igreja não devia apelar ao sacerdócio porque há maternidades a fechar. De preferência que seja um crente militante ou um bispo a dizê-lo, a bem de uma coerência de argumentos que venha de cima. Ou isso, ou perceberem que têm telhados de vidro que se arriscam a partir cada vez que falam em taxas de natalidade.

4 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns pelo blog.

Anónimo disse...

Convido-o a visitar o
'benedita, quem me dera'.

Abraço,
JC

pedro disse...

Que este ruído todo se cale de uma vez por todas. Bem como esta questão.

CoaBreca disse...

Adorei o paragrafo final Hélio, Não desfazendo no conteudo primordial.