Aconselhamento para o «Não» precisa-se!
Não sei se na blogosfera se tem escrito muito ou pouco sobre a questão do aconselhamento pré-aborto e a insistência dos defensores do «Não» no caractér não-vinculativo do resultado do referendo. O tempo que tenho devotado ao meu e a outros blogues não tem sido muito e já não tenho bem noção do ponto em que vai a exposição e eventual troca de argumentos. Mas como o mau perder de algumas pessoas já cansa, também não me estou a importar muito se repetir o que já outros escrevam.
Nenhuma das três excepções permitidas pela actual e brevemente defunta lei do aborto levam a uma interrupção imediata da gravidez. Não basta uma mulher decidir fazê-lo após consulta médica que prove que o seu caso é um dos permitidos, ela tem ainda que fazer valer a sua vontade diante de uma comissão de ética. E depois é esperar... e esperar... e esperar ainda mais um bocadinho pelo veredicto de um conjunto de pessoas que se julgam donas da consciência alheia. Se tiver sorte, a mulher recebe a resposta antes de terminar o prazo legal para interromper a gravidez. Se tiver azar, a dita comissão só diz de sua justiça em cima das doze ou vinte e quatro semanas, dificultando o aborto quando ele é permitido, mesmo quando está em risco a vida da mulher. Basta recuar umas semanas e recordar o caso de uma portuguesa que vive há vários anos em cadeira de rodas e a quem um parto poderia ser fatal, mas sem que isso se revistisse particular de urgência aos éticos senhores, que o que lhes interessa é obrigar a mulher a parir para o bem da Nação e em nome das suas profundas crenças religiosas.
Querer que a nova lei torne obrigatório o aconselhamento é apenas uma variação do mesmo entrave discreto. É meter entre a consulta médica e o tempo de reflexão um meio que permite às santas consciências do «Não» atrasar a realização da vontade da mulher. É achar que ela não consegue decidir por si mesma mediante os dados que o médico lhe transmite, que precisa de ser forçosamente aconselhada. É dar às fidelíssimas consciências de alguns um meio para endoutrinar quem pretenda fazer o que consideram ser um pecado. É, por fim, querer distorcer a pergunta que foi a referendo (outra vez!), onde se incluia o elemento "por opção da mulher". Ora, se é por sua vontade, então o aconselhamento sê-lo-à igualmente. Ainda me espanta quão facilmente os defensores do «Não» duvidam da capacidade de decisão autónoma e responsável do sexo feminino.
Quanto à natureza do resultado do referendo, não é nenhum bicho de sete cabeças. Vinculativo quer dizer que o parlamento é obrigado a agir consoante o ditado pela consulta popular. Se não vincula, não há qualquer obrigação, seja em que sentido for. Juridicamente falando, a assembleia tem total liberdade de acção diante de uma abstenção superior a 50%, o que quer dizer que se António Guterres tivesse "testículos", ele podia muito bem ter aprovado a despenalização após o referendo de 1998. Pela mesma ordem de ideias, também a actual maioria tem a total legitimidade para seguir em frente com uma nova lei do aborto, até porque, com uma vitória do «Sim», é inconsequente se o resultado foi vinculativo ou não, uma vez que o partido que tem mais lugares no parlamento é a favor da despenalização.
Queridos apoiantes do «Não», babes, compreenderam ou é preciso fazer um desenho? Já se percebeu que têm mau perder, mas desistam de ganhar na secretaria aquilo que perderam nas urnas, pratiquem a um pouco da humildade que a Igreja de muitos de vós tanto apregoa. Como em qualquer acto eleitoral, há vencedores e vencidos e, neste caso, vocês bem que podiam seguir as palavras em tempo proferidas pelo Ántónio Vitorino: habituem-se!
4 comentários:
Não estou de acordo com a critica do mau perder.
Hà alguns anos foi o Não que ganhou e não foi isso que coibiu os apoiantes do sim de continuarem uma campanha para a legalização do aborto.
Em 2004 , por exemplo, veio cá o barco do aborto .
Louçã subiu a bordo e embora fosse deputado da assembleia tentou que o barco entrasse em aguas nacionais quando isso já havia sido recusado pelo governo.
O sim teve perder tão amargo que conseguiram que tudo se repetisse outra vez.
É pois legitimo aos apoiantes do não continuarem a luta.
(Aliàs existem movimentos pro vida em espanha, Itália, Estados Unidos e Inglaterra).
Se o sim lutou anos pela legalização do aborto e o fim de uma lei que eles afirmavam ser injusta , é legitimo ao Não também lutar pelos seus ideais.
Embora o aborto fosse ilegal em 2000 , publicavam-se anuncios de clinicas de aborto espanholas, nos jornais.
O cúmulo do mau perder é dizer : Joga-se outra vez que foi o que o sim fez.
Caro/a anónimo/a:
Uma coisa é continuar a fazer campanha por uma coisa depois de ela ter sido derrotada em referendo. É uma atitude legitima, até porque ninguém o/a obriga a mudar de opinião conforme o resultado.
Outra coisa é perder a consulta popular e logo a seguir tentar inverter o veredicto na secretaria. É desonesto, é um sinal do vosso mau estar para com a liberdade de consciência, é mau perder e chega até a ser ridiculo.
Anónimo:
foste ao cinema e estava esgotado?
entao está explicado que tivesses vindo para aqui "abortar" ideias. Jogou-se outra vez? Pois claro que sim, os dados tinham sido viciados! A prova disso é que bastou mais um reles milhão de eleitores para fazer a diferença!
A história de Maria Luísa, a paraplégica impedida de aceder à IVG legal, mencionada no post.
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