Fumar e governar à portuguesa
Na política, como noutras áreas, fazer as coisas à "boa" maneira portuguesa é dar uma no cravo e outra na ferradura. É querer agir agradando ao mesmo tempo a gregos e a troianos. É ter medo, é ter receio, é ter falta de convicção, de responsabilidade e acabar por decidir segundo um por vezes hipotético consenso. É, enfim, a regra dos brandos costumes, de querer ser moderno, mas não muito para não ofender.
Foi esse o argumento da direcção da bancada parlamentar socialista a respeito de algumas das propostas anti-corrupção de João Cravinho: mais do que a necessidade das medidas apresentadas, o critério de decisão usado foi o da existência de consenso. Foi esse também o argumento para adiar para as calendas gregas os casamentos homossexuais: direitos, liberdades e garantias de cidadãos que não devem ser discriminados por motivos de orientação sexual nada valem se ainda não estiver feito o "necessário debate" para se atingir o tal "consenso". Uma lei da identidade de género vai pelo mesmo caminho e qual seria o espanto se a proposta do Bloco de Esquerda para que o Estado retenha as mais-valias urbanísticas caísse diante da mesma desculpa esfarrapada de que não é ainda uma ideia consensual. Pouco importa o desordenamento do território, a delapidação da paisagem nacional ou as fortunas menos claras saídas de duvidosos negócios imobiliários. O critério de avaliação de uma medida legislativa está não na sua necessidade ou justiça, mas sim na tomada de pulso da opinião pública ou dos interesses instalados.
O mais recente episódio é a propsta de uma lei antitabaco, há anos a ser adiada e reformulada vezes sem conta, até que em Fevereiro saiu aquilo que se pensava ser a versão final: proibição de fumar em todos os locais fechados com menos de 100 metros quadrados, bares e discotecas incluidas. Não resistiu nem um mês inteiro: ontem, após uma reunião com deputados socialistas, o ministro da saúde admitiu recuar. Motivo: alguns dos senhores do PS estão muito preocupados que se esteja a passar da protecção aos não-fumadores para a perseguição aos fumadores, obrigando-os a consumir o seu cigarro nas escadas. Porque sim, deve ser mais importante o conforto de quem fuma do que o bem comum. Pouco importa se a proibição de fumar em locais fechados contribui para a redução de doenças cardíacas e pulmonares - logo para a redução a longo prazo dos encargos com a saúde - a prioridade é mesmo evitar escadas congestionadas. Não interessa se boa ventilação não basta para evitar que quem está ao lado de um fumador leve com o seu contributo para um cancro do pulmão, a prioridade é que quem puxa de um cigarro não tenha que se chatear para o poder consumir.
Quão chocados ficariam os senhores deputados se fossem à Suécia, onde em locais fechados só se fuma em compartimentos separados, seja lá qual for a dimensão do estabelecimento. Até em discotecas com muito mais de 100 metros quadrados e um piso quem quer fumar tem que puxar do casaco e ir fazê-lo para o terraço (ou varanda, ou pátio), nem que estejam 10 graus negativos e a nevar. E não é por isso que a vida nocturna sueca é menos lucrativa, menos animada ou até menos decadente. Ou que a Suécia está à beira de uma revolta popular por excesso de pessoas nas escadas. Simplesmente lá teve-se um sentido de responsabilidade que cá vive ainda ao sabor de uma lei do consenso e da determinação q.b. para não ofender quem prejudica os outros ou o bem comum.
2 comentários:
Está cheio de razão quanto à cobardia e à natureza do "debate" que o centrão quer... e na questão da lei antitabaco só tenho uma coisa a acrescentar: acho que é importante que seja o dono do espaço a decidir se quer um lugar fumador ou não fumador - quando estamos a falar dos tais espaços de menos de 100m2.
E quem diz a Suécia diz a Espanha que aprovou a lei anti-tabaco com estas características e viu a sua vida nocturna desaparecer por completo! Os espanhóis até já dizem "La noche no existe más!" LOL!
Ao centrão falta aquilo que "nuestros hermanos" designam por HUEVOS!
Enviar um comentário