terça-feira, maio 01, 2007

Maio p'ra toda a gente (i)

Longe de ser unicamente um Dia do Trabalhador originado no motim de Haymarket em 1886, o primeiro de Maio é, desde há milénios, sinónimo de ritos de passagem, de mudança e de celebrações de fertilidade. Não querendo desfazer a efeméride proletária, mas como a minha matriz pessoal é muito mais pagã do que socialista...

O nome do mês que hoje se inicia deriva de Maia Maiestas, divindade latina de origem desconhecida e de culto muito antigo que a posterior influência helenistica sobre a religião romana fez com que fosse identificada com uma ninfa grega de igual nome. Por estar associada a Vulcano, era dever do flamen (sacerdote) deste deus oferecer a Maia Maiestas um sacrificio no primeiro dia de Maio. Igualmente na mesma altura decorriam os seis dias de festa da Floralia (28 de Abril a 3 de Maio), celebração em honra da deusa Flora, Senhora das Flores e da Primavera. A festividade data pelo menos do século III a.c., caiu, a dada altura, no esquecimento, até o Senado de Roma a recuperar em 173 a.c. como resposta a más colheitas e tempo adverso. Para além das danças e da abundante bebida da praxe, o festival era ainda marcado por peças de teatro, pelo libertar de animais no Circo Máximo (não o Coliseu!) e, muito naturalmente, pelo uso de coroas de flores.

Mais a norte, nas Ilhas Britânicas, celebrava-se também por alturas de dia 1 de Maio o festival de Beltane, que marcava a chegada do Verão e era correspondido por celebrações semelhantes noutras partes do mundo celta. A data era assinalada por grandes fogueiras e ritos de passagem, purificação e fertilidade, além de protecção contra entidades menos bem intencinadas, já que, tal como no final de Outubro, o príncipio de Maio era visto como uma altura em que a fronteira entre este mundo e o "Outro" era mais fina ou fácil de atravessar. Beltane sobreviveu no folclore irlandês, escocês e galês, incluido nos hábitos dos seus nacionais em diáspora pelo mundo fora, e tem sido alvo de um esforço de recuperação nas últimas décadas, seja por sociedades históricas e culturais, grupos wiccans ou comunidades e organizações politeístas reconstrucionistas.

Igualmente diversas são as tradições na parte germânica da Europa, onde a data recebe o nome de Walpurgis. Também com origem numa celebração de Primavera ou de chegada do Verão entretanto a ser recuperada por politeístas reconstrucionistas (ver aqui, por exemplo), deriva o seu nome de Santa Walburga, a quem a Igreja Católica dedicou o dia 1 de Maio. É nativa às zonas germânicas o Poste de Maio, uma das tradições mais emblemáticas desta época e actualmente bastante popular no Reino Unido e no sul da Alemanha, tendo uma função claramente fálica, ou de representação do axis mundi mitológico (ou as duas coisas). Nas áreas de língua germânica, o príncipio de Maio, tal como Beltane, era também assinalado com grandes fogueiras e festa pela noite dentro, prática que se mantém nos dias de hoje nas tradições estudantis suecas, que têm neste dia o seu momento alto com o Valborg. E disto posso falar por experiência própria: é farra da pesada desde a noite de 30 de Abril até ao amanhecer do dia 2 de Maio! A coisa inclui piqueniques, jogos e competições ao ar livre, concertos, autênticos banquetes e, claro, grandes fogueiras um pouco por todo o lado. De referir ainda, em Uppsala, a prática de saudar todos os estudantes finalistas (do corrente ano ou de anos e décadas anteriores), que agitam os tradicionais bonés brancos estudantis junto à biblioteca universitária. A data é ainda marcada por uma saudação à Primavera do alto da colina do castelo de Uppsala ao pôr do sol de 30 de Abril, com direito a toque do sino, discurso de boas vindas à nova estação por um representante dos estudantes e canções pelo coro da Associação de Estudantes.




O cenário sueco repete-se na Finlândia, onde o príncipio de Maio recebe o nome de Vapunaatto e constitui uma das maiores celebrações do ano, festa de estudantes incluidas. Longe dos tempos de influência soviética, o Dia do Trabalhador como celebração sindicalista é preservado apenas por grupos políticos de esquerda, sendo, para a maioria, uma efeméride intervencionista muito mais alargada onde até a Igreja Finlandesa discursa e organiza as suas marchas. O dia é ainda assinalado pela abundância de balões, palhaços, consumo de bebidas (claro!) e piqueniques que podem ir do mais simples e familiar ao mais extravagante e numeroso possível.

E da Escandinávia passamos para Portugal, onde também, por esta altura, se dá lugar à Queima das Fitas e à panóplia de celebrações estudantis nela incluidas. Nem nós, que não preservámos nada ou quase nada de um Beltane ou Valborg, deixamos de assinalar a data que sempre esteve associada a ritos de passagem e de fertilidade com a devida dose de festa, extravagância e uma celebração de fim de curso. Dir-se-ia que há ritmos que estão bem entranhados na cultura popular ;)

Depois, é claro, há o Dia do Trabalhador, apenas e só o último elemento festivo a ser incluido na longa lista de efemérides que o príncipio de Maio tem vindo a acumular desde há milénios. Engana-se quem pensa que o dia de hoje é de alguma forma um monopólio da esquerda. Maio é, actualmente e por força de milhares de anos de tradições acumuladas, uma das alturas festivas mais ricas e diversas de todo o ano, mas que no pobre Portugal recebe um sentido quase unívoco e monocromático que não vê para lá de 1886.

3 comentários:

Tales da Gardunha disse...

Fiquei muito mais instruído

Dré disse...

só por aqui é que não é feriado no dia 1... toca a trabalhar enquanto o resto da Europa fica de papo pró ar!! :p

Anónimo disse...

E parabéns ao Hugo Rilhó, toda a gente sabe que o feriado é por ele! :P