Se todos fossemos como eles...
Confrontada com uma crescente falta de vocações, a Igreja Católica Portuguesa lançou mais uma campanha para tentar atrair mais jovens para o sacerdócio e para as comunidades religiosas. Pretende perguntar directamente «podemos contar contigo?» e promover o acompanhamento por clérigos de todos os que demonstrem queda para ser sacerdotes e abraçar, consequentemente, uma vida de celibato. A novidade desta campanha será, pelos vistos, o facto de não se limitar a ter como alvo os jovens, mas também as suas famílias e as comunidades onde vivem, para as tentar responsabilizar e chamar à acção.
Supõe-se, portanto, que entre os receptores desta nova iniciativa da Igreja Católica estarão muitas daquelas pessoas que, há uns meses atrás, lutaram pelo «Não» à despenalização do aborto e usaram vezes sem conta o argumento de que Portugal devia apoiar a maternidade em vez de seguir políticas que agravem o seu desiliquibrio demográfico. Diziam que os portugueses devem ter filhos ao invés de abortarem, chegando mesmo a preconizar uma forma de dever de procriar, a julgar, pelo menos, pela forma como alguns se mostraram contra o aborto em caso de violação da mulher. De igual modo, são também estas mui católicas pessoas as que mais se opõem a uma maior visibilidade dos homossexuais portugueses, contestanto a sua luta por uma vida publicamente assumida e pela plena igualdade de direitos. E entre os argumentos para o seu conservadorismo encontra-se, uma vez mais, o do desiquilibrio demográfico do país (e da Europa, já agora), porque a visibilidade e igualdade de gays e lésbiscas equivale a dizer que a homossexualidade é normal, logo aceitável enquanto estilo de vida não-tradicional e não-reprodutivo. Por esse motivo, essas católicas personagens chegam a dizer que, em vez de se falar de casamentos homossexuais, devia-se apoiar as famílias tradicionais e que se fossemos todos homossexuais a Humanidade deixava de existir.
Meus caros, se todos fossemos padres católicos, a Humanidade também deixava de existir, mas não me parece que seja por isso que a nova campanha da Igreja por novas vocações esteja já na mira dos que defenderam o «Não» e se opõem ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Devia estar, por uma questão de coerência, uma vez o que a campanha pede é mais vocações, apela aos jovens para escolherem o sacerdócio, logo a via do celibato. É um apelo a um estilo de vida não-reprodutivo que também não irá, muito certamente, corrigir o desiquilibrio demográfico português. Estranho mundo este onde algumas das pessoas que mais clamam por apoios à natalidade sejam as mesmas a apelar a um estilo de vida celibatário.
Não que eu tenha alguma coisa contra quem deseja ser padre católico ou ingressar numa comunidade religiosa da mesma confissão. Simplesmente não reconheço, a eles e aos seus crentes, qualquer autoridade moral para condenarem a conduta de uns como sendo contranatura ou anti-natalidade, quando a própria Igreja não só admite, como até impõe e encoraja uma forma de vida não-reprodutiva. Talvez os católicos portugueses devessem recordar-se mais vezes daquele provérbio que versa sobre quem tem telhados de vidro.
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