domingo, junho 10, 2007

Dia da Pátria (ii)



O dia nacional de um país constitui a mais alta efeméride comemorativa da sua existência enquanto comunidade que partilha uma língua, História, Estado e traços culturais comuns. É recordar a fundação, refundação, transformação ou a libertação da Pátria - a terra e Estado comuns a todos os cidadãos nacionais - numa lógica semelhante à de um jantar de família ou aniversário. É, enfim, uma celebração comunitária e nós, portugueses, com quase nove séculos de nacionalidade, idioma oficial desde o século XIII e das fronteiras mais estáveis da Europa somos dos que menos dúvidas deviamos ter a respeito do que de comum temos. Só mesmo a auto comiseração, pobreza de espírito e falta de auto-estima nacionais para fazer tábua rasa das gerações passadas que recuam pelo menos até 1143. Só mesmo a falta de confiança, o chico-espertismo e um fraco espírito comunitário para tirar sentido ao dia de hoje.

A efeméride faz sentido no actual contexto da construção europeia? Sem dúvida! Porque continuamos a ser soberanos dentro da União Europeia na medida em que não dependemos de nenhum outro Estado para nossa representação nas instâncias comunitárias, ao contrário do que sucede com galegos, bascos e catalães, escoceses e galeses - para dar apenas alguns exemplos - que dependem de Espanha e do Reino Unido, respectivamente. E porque a celebração de dias comemorativos de comunidades ocorre também ao nível local e regional. Basta lembrar que os munícipios portugueses celebram feriados próprios e as suas festas da cidade, enquanto as regiões autónomas de Espanha - constituidas como nacionalidades históricas pela própria Constituição Espanhola - celebram os seus dias nacionais. Consequentemente, porque é que o facto de fazermos parte da União Europeia, que é uma comunidade de Estados e Nações, havia de tirar sentido à celebração do Dia de Portugal?

É o 10 de Junho o dia mais indicado? Talvez sim, talvez não. Sinceramente, a ideia de celebrar um dia nacional no aniversário da morte de alguém não é muito feliz, além de que a origem da efeméride na ideologia racista do Estado Novo também não ajuda e depois há datas históricas bem mais interessantes do que a da morte de Camões, mesmo tendo ele sido um dos nossos maiores poetas. Eis alguns exemplos:

6 de Abril: Dia em que D. João I foi aclamado rei pelas Cortes reunidas em Coimbra em 1385. Por um lado foi o culminar de um movimento popular que se opôs à união com Castela e escolheu o Mestre de Avis como seu líder e candidato à coroa do país, por outro foi o início da segunda dinastia, a mesma sob a qual atingimos o período mais universal, aberto e cosmopolita da nossa História. Além disso, o interregno de 1383-85 culminou na Batalha de Aljubarrota, um dos acontecimentos mais presentes no imaginário nacional - basta pensar na padeira e no Santo Condestável - e uma óptima lição sobre as possibilidades de vencer em condições desfavoráveis por via da confiança, engenho, conhecimento e audácia. Ou não tivessem 6 000 portugueses e uns quantos ingleses vencido 30 000 castelhanos e uns tantos franceses.

24 de Junho: Dia da Batalha de São Mamede, a mesma que deu a Afonso Henriques o governo do Condado Portucalense e pôs-nos definitivamente no caminho da independência nacional. Foi a primeira grande vitória portucalense.

23 de Setembro: Dia da aprovação do primeiro texto constitucional português, mais concretamente a Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822. Sim, eu sei que de lá para cá muito mudou, incluindo a queda do regime monárquico, mas não é por isso que o documento deixa de ser um marco nacional no que a direitos, liberdades e garantias diz respeito.

5 de Outubro: Dia da assinatura do Tratado de Zamora em 1143 e da implantação da República em 1910. Junta o "aniversário" oficial de Portugal com a celebração de ideais republicanos.

1 de Dezembro: Restauração da Independência, no fundo uma refundação da nacionalidade e afirmação da nossa soberania no espaço europeu.

Claro que todos estes e outros mais dias são apropriados para hastear a bandeira nacional no pátio ou jardim ou, em alternativa, pendurá-la à janela ou varanda, à semelhança do que já sucede em países com uma tradição bem assente e popular de dias da bandeira. É o caso da Suécia e a Finlândia e há quem tente implementar a mesma prática na Galiza. Qualquer dia escrevo uma entrada aqui no blogue onde liste todos os dias comemorativos da nossa História.

2 comentários:

Al Cardoso disse...

Eu por mim votaria em que o dia nacional se comemora-se a 5 de Outubro, nao pela implantacao da republica mas pelo "Tratado de Zamora" pois a partir dai, sim passamos de facto a ser independentes.

Héliocoptero disse...

Comemorar a Fundação é um dos motivos mais comuns na celebração dos dias nacionais de muitos países. Para Portugal, no entanto, com portugueses em diáspora desde o século XV, ao dia do Tratado de Zamora faltar-lhe-á talvez uma dimensão mais universal.

E não digo isto por sentimentos republicanos em relação ao 5 de Outubro: o 25 de Abril ocupa o imaginário revolucionário actual, não os acontecimentos de 1910.