sexta-feira, junho 22, 2007

A pobreza democrática de Marques Mendes

O projecto que o PSD entregou ontem na Assembleia da República para a reforma da lei eleitoral é um exemplo acabado de tentativa de bipolarização parlamentar, de aumento de complexidade do sistema e de empobrecimento das condições de debate naquele que devia ser o orgão máximo de confronto democrático. A proposta (cujo texto se encontra disponível aqui) é, por outras palavras, uma receita para uma democracia mais pobre e para um afastamento ainda maior entre cidadãos e a classe política. E essencialmente por duas razões.

Em primeiro lugar, porque prevê uma redução do número de deputados dos actuais 230 para 181. Desce o número de representantes no parlamento, aumento a quantidade de votos necessários para a eleição de cada um deles. O que quer dizer que os pequenos partidos arriscam-se a ficar reduzidos a uma insignificância parlamentar ou mesmo à completa ausência na Assembleia da República. Ficamos reduzidos a uma dança exclusiva entre PS e PSD, com parcas ou nenhumas hipóteses de renovação da cena política portuguesa pelos entraves colocados ao crescimento de novas forças políticas. E como se os actuais não fossem já um problema.

Diz o PSD que a redução do número de deputados tem por objectivo uma "maior operacionalidade e eficácia do trabalho parlamentar", ficando-se com a impressão que os parlamentos sueco, finlandês e dinamarquês - para dar apenas três exemplos nórdicos - devem ser um exemplo de caos e desgovernação absoluta. Senão vejamos: a Suécia tem cerca de nove milhões de habitantes e um parlamento com 349 deputados; a Finlândia tem uma população de sensivelmente cinco milhões e duzentos mil habitantes e um parlamento com 200 deputados; a Dinamarca tem cerca de cinco milhões e meio de habitantes e um parlamento com 179 deputados, quase tantos quantos aqueles que o PSD quer que passem a representar dez milhões de portugueses e ainda os emigrantes. E atenção que no sistema dinamarquês a Gronelândia e as Ilhas Faroe elegem apenas dois representantes cada. Portanto, das duas uma: ou o PSD vê as democracias nórdicas como um exemplo a não seguir por serem mais plurais que a portuguesa, ou os nossos sociais-democratas são do mais provinciano que se pode conceber por fazerem de quantidade um equivalente necessário de qualidade. E com pessoas com uma mentalidade dessas, nem com dez deputados apenas a Assembleia da República ia ser um exemplo de excelente trabalho.

Em segundo lugar, porque a introdução dos círculos uninomiais do modo que o PSD propõe aumenta a complexidade do sistema eleitoral. Numa mesma câmara parlamentar passa haver um único representante por cada círculo continental, mas vários das regiões autónomas por estas manterem círculos plurinominais e ainda os deputados eleitos por um único círculo eleitoral nacional para determinar qual o partido que deve ter o governo do país. É tudo ao molhe e fé no que quer que seja, menos na clareza de funcionamento do sistema. Se hoje o cidadão eleitor já sente um desfazamento entre o seu voto e o resultado final na composição da Assembleia da República, maior será esse sentimento com o emaranhado que se quer criar.

Não que a ideia dos círculos uninominais seja necessariamente má. Sobre o tema, aliás, veja-se este artigo de 2005 do António Barreto. O sistema que o PSD propõe, no entanto, não só pouco ou nada resolve na questão da representatividade, como lhe acrescenta uma nova camada de complexidade. Até porque perpetua a confusão entre representantes únicos de círculos eleitorais regionais com representantes partidários, sujeitos à lógica da disciplina e orientações políticas de uma força política. Se se quer mesmo que deputados de círculos uninominais falem efectivamente pelas populações que os elegeram, pois então separem-nos da representatividade partidária. Reinstitua-se um Senado, se preciso for, para nele terem lugar os representantes de distritos e regiões, eleitos individualmente e sem sequer apoios verbais de partidos políticos. A actual câmara legislativa ficaria entregue aos deputados de um único círculo nacional - regiões autónomas incluidas - e de preferência num número nunca inferior ao actual.

Quando nos boletins de voto para a Assembleia da República os eleitores passarem a ter nomes e não apenas siglas e símbolos partidários, quando começarem a identificar os seus representantes regionais ou distritais também pelos nomes e não pelo partido pelo qual foram eleitos e ao qual estão sujeitos, aí sim teremos dado um passo importante em direcção a uma aproximação entre eleitores e eleitos. Manter a lógica partidária tal como está, com a agravante de torná-la mais complexa e bipolar, é tudo menos prestar um bom serviço à democracia.

1 comentário:

Anónimo disse...

A propósito de um post que tens mais abaixo, não posso deixar de referir a curiosa e hilariante coincidência do Presidente da República polaco ter o mesmo apelido que o Unabomber...: Kaczynski ..LOL