quinta-feira, junho 29, 2006

(Sub)Desenvolvimento nacional (i)

Primeiro foi Basílio Horta da Agência Portuguesa de Investimento, depois Fernando Ruas a dar provas do populismo barato e falta de formação primária que grassa entre os autarcas portugueses. Outros casos houve pelo meio e parece que mesmo entre o governo há quem ache que as regras ambientais são um entrave ao desenvolvimento. E é verdade! São um entrave a uma forma de desenvolvimento baseada largamente nos combustíveis fósseis e no betão. Que se careça de sentido de responsabilidade e se defenda esse modelo é, nas palavras do Miguel Araujo do blogue Ambio, sintoma de que aos nossos empresários falta visão, ética e a preparação [escolaridade?] básica para saber mover-se num mundo cada vez mais competitivo. Sobra-lhes o fácil. Projectos obsoletos. Especulação. Construção civil. Senão vejamos.

Em vez de se concentrar esforços no aproveitamento de fontes de energias renováveis, prefere-se aumentar as quotas de emissões de gases de efeito de estufa. E isto num país onde o vento sopra, as marés sucedem-se, o sol brilha que é como gente grande e o lixo produzido ainda vai para aterros. Recordo esta entrada com um texto retirado do Blogo Social Português: noutros países já se percebeu que o desenvolvimento sustentável passa por uma maior independência energética e aproveitamento dos recursos locais, mas em Portugal ainda abundam aquelas mentezinhas minúsclas, tacanhas e muito provincianas que acham que não, há que continuar na dependência extrema do petróleo.

Em vez de termos apostado numa boa rede de transportes colectivos - rápidos, diversificados, baratos e coordenados - durante décadas investiu-se demasiado na rede rodoviária nacional e no veículo individual. Em vez de se ter tido uma política de ordenamento do território coerente e séria que controlasse a expansão imobiliária nas periferias dos centros urbanos, permitiu-se o nascimento e crescimento descontrolado de cidades-dormitório. Junte-se as duas coisas e lá se gastaram centenas de milhões de euros durante décadas na construção de novas estradas ou alargamento das existentes para dar vaso ao crescente trafego automóvel, mas sem que com isso se resolvesse o problema a médio, quanto mais a longo prazo. Dinheiro desperdiçado, património ambiental destruido, qualidade de vida reduzida e problemas sociais resultantes à mistura (guetos periféricos diz-lhes alguma coisa?). Estas duas fotografias retiradas do blogue Slice demonstram a diferença que bons transportes coletivos podem fazer, comparando-se 75 pessoas em automóveis privados com as mesmas 75 num autocarro:

Em vez de se apostar de forma equilibrada nos meios rodo e ferroviários, o investimento foi feito esmagadoramente nos primeiros. O resultado actual é uma dependência quase total de uma frota de veículos movidos exclusivamente a combustíveis fósseis para o transporte de pessoas e bens, matérias-primas e mercadorias. Consequentemente, basta subir o preço do petróleo para passarmos a pagar mais pelos passes sociais, bilhetes de autocarro e produtos que chegam às parteleiras das lojas. Tivessemos uma rede nacional de caminhos-de-ferro com linhas duplas, inteiramente electrificadas e bons comboios para uso da indústria e das populações e a nossa dependência seria menor. Claro que depois falam do TVG, como se projectos faraónicos resolvessem problemas de décadas, mas além de não cobrir o país todo, eu ainda gostava de saber quanto é que vai custar um bilhete no comboio de alta velocidade, quantas pessoas vão poder pagá-lo e com que frequência, quantas empresas vão poder usá-lo para o transporte de mercadorias e se a taxa de ocupação das carruagens que daí advém faz da coisa um projecto viável.

Supostamente, há empreendimentos turisticos e não só que precisam de ser classificados como de interesse nacional e sem alternativa para poderem ser edificados em áreas protegidas, como a Rede Natura ou matas de sobreiros. O que este critério revela, no entanto, é um atraso de mentalidades profundo e uma falta de ética e formação crassa: a preservação de locais de interesse ambiental é de interesse nacional. Não é algo que se faça como forma de recreação ou com funções lúdicas, apenas para ser suspensa quando as coisas apertam ou se quer fazer algo (supostamente) a sério. É antes parte integral de um desenvolvimento sustentado e responsável, um património público e uma mais-valia turística, histórico-cultural e social. Não passa pela cabeça de ninguém derrubar parte do Mosteiro dos Jerónimos a bem do interesse nacional e por não haver alternativas viáveis. Pelo contrário, qualquer projecto que dele faça uso tem em consideração a preservação do espaço e da estrutura nos seus mais variados aspectos, algo demasiado esquecido quando se invade de habitações e empreendimentos turísticos e comerciais as florestas, os campos, as albufeirias e a linha costeira nacional. Depois, claro, é o dinheiro público que serve para reforçar as arribas sobrecarregadas com construções que nem deviam existir ou manter edifícios modernos em leito de cheia.

Sim, a legislação ambiental e de ordenamento do território é um entrave ao desenvolvimento. A um modelo de desenvolvimento meramente economicista, retrógado, que descura o bem comum, que sofre de falta de visão e ética, que pensa apenas a curto prazo, que prefere projectos que enchem a vista, mas pouco resolvem, sem sentido de responsabilidade nacional e capacidades de procurar soluções para velhos problemas, desprovido de noções modernas de sustentabilidade e preferindo acomodar-se ao lucro fácil e imediato, mesmo que hipotecando o futuro próximo. E o resultado deste modelo está à vista: dependência energética, fraca qualidade de vida e problemas sociais nos meios urbanos, perda de solo agrícola, desperdicio imenso de dinheiro por falta de ordenamento e planeamento, desertificação e perda de património ambiental que é público, mas que acaba por ser usado para riqueza de apenas alguns.

Persistir num modelo económico baseado no betão e nos combustíveis fósseis, sem sentido de bem comum a médio e longo prazo, mesmo depois de o termos feito durante décadas com os resultados que se vê actualmente, indica uma de duas coisas (ou ambas): que o Ministro do Ambiente tem razão e temos empresários e políticos parados no tempo, ignorantes, comodistas e retrógados, ou que há alguém a pensar mais no seu próprio bolso em tempo de crise do que no desenvolvimento nacional, sustentável e responsável.

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro Heliocoptero, quem fala assim, das duas uma: ou tem estado na ultraperiferia da ultraperiferia, (talvez Suécia?), ou então não é gago. Ou ambas. Subscrevo o post. Se se lhe fizesse uma sinopse ou coisa assim, diríamos que é um post sobre a esperteza saloia. Ou então sobre os inabaláveis interesses económicos do costume: autarquias, construtores (in)civis, a treta de sempre. E há uma nova mina de ouro: as cidades ecológicas. O primeiro capítulo parece que vai desenrolar-se na área protegida de Sesimbra. Um chique!

Héliocoptero disse...

Em vez de se fazer novas cidades que se dizem ecológicas, o melhor mesmo era tomar as que já existem e torná-las dignas da mesma etiqueta: reduzir a malha urbana, renaturalizar e reordenar, criar novos espaços verdes, numa espécie de Programa Pólis 2000.

Pagava p'ra ver!

Al Cardoso disse...

O que realmente e triste e ver-mos os centros das nossas cidades e vilas a degradarem-se e despovoarem-se, enquanto temos que construir mais estradas para trazer para as mesmas, as gentes que dai se moveram para caixotes de betao construidos nas periferias. Se isso e qualidade de vida vou ali e ja volto.

Se desejar passe pelos meus sitios.

Um abraco beirao