domingo, outubro 29, 2006

Grandes Portugueses... vindos de fora (ii)

Cento e noventa e oito anos depois da morte de Dona Filipa de Lencastre, veio ao mundo uma outra senhora estrangeira que também viria a ser rainha de Portugal e cujas acções em prol da restauração da independência nacional fizeram dela uma grande portuguesa por mérito pessoal: Dona Luísa de Gusmão!

Nasceu em Espanha a 13 de Outubro de 1613, no seio da família dos Medina-Sidónia, poderosa nobreza da Andaluzia. Portugal era, então, possessão da coroa espanhola, desde que Filipe II de Espanha subira ao trono português em 1580 contra dois candidatos nacionais: D. Catarina de Bragança e D. António, Prior do Crato. A união dinástica mantivera uma larga autonomia para Portugal, que era considerado como um reino separado com leis e administração próprias, mas unido a Espanha por um chefe de Estado comum. Poucas décadas bastaram para que "nuestros hermanos" pensassem duas vezes e se virassem para planos mais centralizadores. A face desta política era o conde-duque de Olivares, ministro do rei Filipe IV e arquitecto do casamento entre um membro da alta nobreza espanhola e o descendente de Catarina de Bragança. O objectivo era simples: impedir que o pretendente ao trono português se revoltasse contra Madrid por via do matrimónio com alguém que o aconselhasse à submisão. Escolheu a mulher errada.

Dona Luísa de Gusmão casou com D. João, Duque de Bragança, a 12 de Janeiro de 1633. Ambiciosa por natureza, em 1640 não hesita em estar do lado do seu marido quando ele aceita juntar-se aos conspiradores que preparavam o derrube das autoridades espanholas em Portugal. A tradição popular diz até que foi ela quem quebrou a hesitação do duque com a frase antes rainha por uma hora, do que duquesa toda a vida. Na manhã de 1 de Dezembro dá-se a revolta: o Paço da Ribeira é tomado, a governadora de Portugal aprisionada, o seu secretário morto e um dos revoltosos aclama D. João diante de uma multidão que entretanto se juntara no Terreiro do Paço. A 6 de Dezembro o duque chega a Lisboa e é coroado rei de Portugal no dia 15. Espanha não responde em força porque está ocupada com a Guerra dos Trinta Anos e uma revolta na Catalunha, o que confere ao novo monarca tempo suficiente para organizar as defesas do reino. Dona Luísa entra em Lisboa a 21 de Dezembro, na companhia dos filhos do casal ducal, agora príncipes reais portugueses. Aclamada rainha pelos lisboetas, que reconheciam nela uma apoiante da restauração não obstante o ser espanhola, manteve-se essencialmente nos bastidores da cena política, excepção feita aquando da condenação dos conspiradores que em 1641 tentaram assassinar o seu marido.

Em 1656, D. João IV morre vítima de doença prolongada. Por o seu primogénito ter falecido em 1643, é sucedido por Afonso VI, que além de sofrer de uma doença mental era menor de idade aquando da sua coroação. Conforme o estipulado no testamento do falecido rei, a regência é entregue a Dona Luísa de Gusmão. A rainha entrega-se, então, à organização das defesas do reino, na reconstrução de fortalezas, destacamento de tropas e organização da cadeia de comando. Espanha começava a voltar-se para Portugal e invade o país em 1658, sendo derrotada na batalha de Elvas em Janeiro do ano seguinte. Na gerência dos negócios públicos, Dona Luísa tenta sobrepôr-se às intrigas palacianas, chegando mesmo a nomear a Junta Nocturna, assim chamada por se reunir de noite e na qual a rainha juntou pessoas de sua confiança para a auxiliarem no governo do país. Esforçou-se para renegociar a velha aliança com Inglaterra, de modo a poder receber desta preciosa ajuda militar.

Em 1661, pressionada pelos apoiantes de Afonso VI, Dona Luísa quer abandonar a regência, mas é aconselhada a manter-se no poder por receio que a instabilidade do rei prejudique os esforços da Restauração. Em 1662 tenta-se um golpe palaciano que substitua o monarca pelo seu irmão Pedro, mas a manobra falha. A rainha é distituida nesse mesmo ano, por via de outro golpe, entregando o poder sem hesitação e mudando-se do Paço da Ribeira para o Convento dos Grilos em 1663. Morre a 6 de Novembro de 1666. O seu corpo foi transladado para o Panteão dos Bragança na igreja lisboeta de São Vicente de Fora em 1889, onde foi recebido com guarda de honra.

Dona Luísa de Gusmão converteu-se num dos símbolos da Restauração. Defensora da independência portuguesa, vai na volta por um misto de ambição e devoção ao seu novo país, a sua regência foi essencial no sucesso do esforço restauracionista. A sua gestão do reino sustentou importantes vitórias contra Espanha e levou à renovação da aliança com Inglaterra em 1662, permitindo a chegada a Portugal de auxílio militar inglês.

Quem disse que estrangeiros naturalizados portugueses não conseguem defender o nosso país?

1 comentário:

Anónimo disse...

... só uma boka: João IV foi o último rei coroado de Portugal. Todos os outros que se lhe seguiram eram apenas aklamados, isto porque João IV legou a coroa a N. Sra da Conceição de Vila Viçosa, feita padroeira e Rainha de Portugal.

Dia 8 de Dezembro, todos os anos, há a procissão, e diz-se que a imagem transporta a referida coroa, mas também já ouvi dizer que é um ersatz, porque a verdadeira foi roubada.

Calha que este ano vou lá cheirar...

Outro mistério é a coroa dos Braganças, desaparecida não se sabe quando nem porquê, mas uma vez em Extremoz uma freira disse-me que a tinha visto no Sagrado Sepulcro em Jerusalem. É muito possível: D. Maria I apanhou com o terramoto em pequenina (no dia de finados) e depois com a revolução francesa, deve ter achado boa idéia pô-la a milhas.