Grandes Portugueses... vindos de fora (iii)
O terceiro e último exemplo que apresento de um grande português vindo de fora é um homem (já calhava), igualmente monarca nacional e a pessoa a quem devemos a preservação de alguns dos nossos maiores monumentos nacionais: D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha!
Nasceu em Viena a 29 de Outubro de 1816, filho do Duque Fernando Augusto da Saxónia e da princesa húngara Maria Antónia, o que fazia dele primo da inglesa rainha Vitória e do príncipe Alberto. Alvo de uma educação cuidada e requintada, D. Fernando desde cedo relevou o dom e interesse pelas artes. A sua ligação a Portugal começou em 1835, quando foi escolhido para marido de D. Maria II, viúva desde Março desse ano. Acordado o matrimónio, o princípe partiu para Lisboa onde chegou a 8 de Abril de 1836, tendo-se realizado a cerimónia de casamento no dia seguinte.
Conforme era o exigido pela sua posição na chefia do Estado, manteve-de atento e por vezes activo na conturbada vida política de então, mas foi às artes e ao património artístico nacionais que devotou a sua atenção. Começou logo no ano da sua chegada: a 25 de Outubro é fundada a Academia de Belas Artes de Lisboa, instituição que o casal real logo põe sob sua protecção, e após uma visita ao então abandonado e arruinado Mosteiro da Batalha, D. Fernando empreende um projecto de reconstrução e recuperação do edifício que é símbolo máximo da vitória de Aljubarrota. Faria o mesmo para o Convento de Cristo em Tomar, o palácio de Mafra e o mosteiro dos Jerónimos, na época muito mal conservados e que, não obstante os erros de restauro irreparáveis (e hoje impensáveis!), teriam ruído sem a intervenção do rei. Nas suas viagens pelo país, D. Fernando fazia por salvaguardar as obras de arte que encontrava, adquirindo algumas peças ou mesmo edifícios inteiros, como foi o caso do antigo convento da Pena em Sintra, em ruínas desde o Terramoto e que a partir de 1840 começou a receber as obras que o transformaram no palácio que é hoje. De regresso a Lisboa, ocupava-se com serões musicais e com o apoio à produção artística nacional nas escolas, estúdios e salões, ora por meio de mero apoio moral, ora recorrendo aos seus próprios meios financeiros.
A 15 de Novembro de 1853 morre D. Maria II, era o princípe herdeiro ainda menor de idade. D. Fernando, que já antes fora regente durante as gravidezes da sua mulher, era agora chamado a exercer o cargo uma vez mais. Fê-lo até 1855, altura em que D. Pedro V atingiu a maioridade, mas a morte precose deste em 1861 devolve D. Fernando à regência por apenas três dias, já que o infante D. Luis, irmão do falecido rei e herdeiro ao trono, encontrava-se fora do país. O novo monarca decretaria o seu pai regente caso o chefe de Estado nacional se ausentasse em visitas ao estrangeiro. Viria a exercer o cargo por mais duas vezes, em 1865 e 1867.
Em 1862, em virtude um golpe de Estado na Grécia que depusera o rei Otão, a coroa grega é oferecida a D. Fernando, proposta que ele recusa argumentando considerar-se português e não querer deixar o seu país. Seis anos depois recebe um convite idêntico, mas desta vez da vizinha Espanha, onde a rainha Isabel havia sido derrubada do poder. Mas porque a proposta tinha como objectivo final a união ibérica, D. Fernando rejeita-a. Em 1869 Madrid renova a ideia e desloca-se a Lisboa o ministro espanhol, que tanto argumentou e propôs que o rei português acabou por dizer que aceitava mediante certas condições. Entre elas estava o compromisso oficial de que Portugal e Espanha nunca teriam o mesmo rei. Como o objectivo do convite continuava a ser a união ibérica, a proposta caiu por terra uma vez mais e definitivamente.
D. Fernando teria ainda longos anos de vida que preencheu com viagens ao estrangeiro, organização de exposições, produção artística pelo seu próprio punho e acções de mecenato. Morreria a 15 de Dezembro de 1885, deixando um país culturalmente diferente daquele que encontrara no que às artes e património arquitectónico diz respeito. Mereceu sem dúvida o cognome de Rei Artista.
Quem disse que estrangeiros naturalizados portugueses não são capazes de proteger a cultura do nosso país?
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