Restauração (i): os antecedentes
Comecemos pelo princípio. Tendo o trono português ficado vago em 1580 pela morte do rei-cardeal D. Henrique, tio-avô e sucessor de D. Sebastião, abriu-se de imediato uma crise dinástica, já que o monarca não tinha conseguido a suspensão do voto de castidade e recusou-se a nomear um herdeiro ainda em vida. Assim sendo, quando ele faleceu, havia três possíveis sucessores: D. António (na imagem), D. Catarina de Bragança e Filipe II de Espanha. Por força do seu poder financeiro, diplomático e militar, este último apresentava-se como o mais forte candidato e ordenou ao Duque de Alba que invadisse e assegurasse Portugal para Espanha. Uma vez derrotado D. António na batalha de Alcântara e tomada Lisboa, o rei espanhol apresenta-se às cortes portuguesas e é-lhe entregue a coroa no Convento de Cristo em Tomar. A tradição popular afirma que no momento do seu triunfo Filipe II declarou eu herdei, eu comprei, eu conquistei. Terminava a dinastia de Avis.
A união ibérica não era, ainda assim, total. O novo monarca havia recebido o trono português na condição de manter os dois países como reinos separados, embora em unidade dinástica. Portugal preservou desse modo uma alargada autonomia política que mantinha leis, moeda e mesmo uma forma de governo nacional, mas que não impediu, no entanto, que embarcações portuguesas participassem na desastrosa expedição da Armada Invencível que em 1588 tentou uma invasão de Inglaterra. Era um pronúncio de problemas futuros, já que a união dinástica fazia dos inimigos de Espanha inimigos de Portugal. Eis como no século XVII as colónias portuguesas começaram a ser atacadas e tomadas por Inglaterra, França e pelos Países Baixos.
A Filipe II sucedeu Filipe III e a este Filipe IV, cujo ministro, o Conde-Duque de Olivares, era adepto de uma política interventiva na Europa e de uma centralização do poder. Vai daí, lançou Espanha contra os Países Baixos, entrou na Guerra dos Trinta Anos e participou em conflitos em Itália. Para a frente de batalha enviou soldados de todos os reinos do monarca espanhol, Portugal incluído, e para financiar os crescentes custos da sua política precisou de novas fontes de receita. Como os cofres espanhóis já tinham tido melhores dias, o conde-duque virou-se para os outros Estados ibéricos sob domínio espanhol, como era o nosso caso e o da Catalunha. E porque o objectivo de lhes cobrar novos impostos passava pela anulação da sua autonomia política, o ministro de Filipe IV esfregou as mãos de contente, já que isso ia ao encontro dos seus planos de centralização do poder e da transformação de Portugal numa província de Espanha.
Assim foi que o governo em Lisboa passou a ser dominado por espanhóis, ao mesmo tempo que as nossas colónias caíam nas mãos dos inimigos de Espanha e os impostos aumentavam para financiar as guerras desta. Em 1623 tem lugar um motim anticastelhano em Lisboa, repetindo-se a agitação popular em 1628, em 1629 em Santarém e no Porto e em 1630 em Setúbal. Como parte da estratégia para assegurar o controlo de Portugal, Madrid vira-se para D. João, duque de Bragança, que, na qualidade de neto da pretendente ao trono português em 1580, era uma figura que convinha ao ministro de Filipe IV manter como exemplo máximo de lealdade. Eis porque em 1631 concede-lhe o título de governador-geral das armas de Portugal, para dele exigir maior lealdade à coroa espanhola, e porque patrocina o casamento de 1633 entre o duque de Bragança e Luísa de Gusmão, membro da alta nobreza de Espanha.
Não consegue, no entanto, pôr termo aos motins, que em 1634 estalam no Porto, generalizando-se no resto do país no ano seguinte. Em 1637 é a vez da revolta do Manuelinho em Évora e de agitação popular no sul e em Lisboa. O duque de Bragança, entretanto, mantém-se afastado da corte ao mesmo tempo que tem a hipótese de medir a sua popularidade em cerimónias públicas. Em 1639, D. João recebe a visita de um grupo de nobres portugueses que lhe dão a conhecer os seus planos de revolta.
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