sexta-feira, dezembro 01, 2006

Restauração (iv): contra a extrema-direita

Vi nos noticiários e li na página da RTP que o PNR, nos seus habituais laivos de nacionalismo exacerbado ao ponto da disfunção, fez questão de organizar no Dia da Restauração uma manifestação que, sem espanto nenhum, foi rica em slogans anti-imigração e demais devaneios xenófobos. Como no seu ódio pelo diferente esses senhores parecem esquecer a História do país que dizem amar, convém lembrar esta pequena verdade elementar: Portugal fez-se e continua a ser feito com o precioso contributo de estrangeiros! Senão vejamos.

Desconhecem, por ventura, os senhores do PNR que o primeiro almirante da marinha portuguesa não foi português, mas sim genovês, que é como quem diz italiano. O seu nome era Manuel Pessanha e entrou ao serviço de Portugal por obra e graça de el-Rei D. Dinis, sem dúvida um dos melhores estadistas que este país já teve. Não só o Rei Poeta o encarregou de organizar a então fraca armada nacional, como ele lhe concedeu o título de Almirante de Portugal, a ele e aos seus descendentes. E não foi por ser estrangeiro - e por ter empregue estrangeiros na marinha portuguesa - que Manuel Pessanha demonstrou menos entusiasmo na defesa do país. Muito pelo contrário!

Também nunca devem ter ouvido falar de casos como o de Judá Cresques, judeu catalão, posteriormente feito cristão-novo e que, devido aos seus dons de cartógrafo, o Infante D. Henrique achou por bem tê-lo ao seu serviço. De que coisas seria hoje o Navegador acusado pelo PNR e pela Frente Nacional por ter dado emprego a um estrangeiro e ainda por cima judeu? O que teria sido dos Descobrimentos se nos tivessemos dado ao luxo da ridicula xenofobia e anti-semitismo de tantos nacionalistas portugueses?

Mas já que esta entrada se deve a uma manifestação no Dia da Restauração, então que se lembre uma vez mais o exemplo de Luísa de Gusmão, espanhola e ainda por cima de uma das famílias mais poderosas do outro lado da fronteira, mas não obstante uma dedicada defensora da Restauração e que foi uma peça essencial no sucesso da recuperação da independência nacional. E porque não recordar também o conde de Schomberg, estrangeiro que deu um contributo precioso para a vitória nas Guerras da Restauração?

Já agora - e só para dar uma nota final - na manifestação de hoje alguém empunhou uma bandeira nacional de Avis. Bem sei que o Estado Novo fez dela um dos seus símbolos, mas talvez convenha lembrar que ela foi originalmente usada numa altura em que era rainha de Portugal uma estrangeira de nome Filipa de Lencastre. Isso e que sob essa bandeira viveu e lutou a Inclíta Geração, na qual se incluia o tal empregador de judeus estrangeiros e o Infante D. Pedro, por ventura um dos homens mais cosmopolitas do Portugal de então. Aliás, pelo facto de ter sido símbolo do país nos primeiros cem anos do período que nos inscreveu na História e cultura universais - e durante o qual foram vários os estrangeiros que deram o seu contributo - a bandeira nacional de Avis devia servir para representar a nossa universalidade, não a mesquinhez e estreiteza de mente da extrema-direita.

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