segunda-feira, janeiro 22, 2007

A Zeus, uma vez mais!

Já lá vão mil seiscentos e dezasseis anos desde que o imperador Teodósio proibiu todos os cultos pagãos e ordenou o encerramento de todos os seus templos, estabelecendo o cristianismo como religião única e oficial do império romano. O ano de 391 assistia, assim, ao apagar da chama eterna de Vesta e com ela à morte de tradições imemoriais dos nossos antepassados e da diversidade religiosa do mundo romanizado. Juliano, o Fiél ainda tentou inverter o processo com a revogação dos privilégios cristãos e a promoção do restauro e revitalização dos locais de culto pagãos, mas a sua vida foi lamentavelmente curta para tamanha obra.

Hoje, no entanto, o imperador apóstata teria motivos para sorrir: mais de milénio e meio depois do decreto de Teodósio, um grupo de politeístas modernos prestou culto a Zeus no coração de Atenas, mais propriamente nas ruínas deste templo. É um ponto alto que coroa parte de um longo trabalho de reconstrução e revitalização do culto dos antigos deuses na Grécia, depois de no ano passado os tribunais terem decidido que o Estado grego deve dar aos grupos pagãos os mesmos direitos de liberdade de credo que às outras religiões. E isto num país onde a Igreja Ortodoxa detém ainda uma influência e privilégios enormes, além de se destacar por um conservadorismo profundo ao qual a Igreja Católica Portuguesa não chega nem aos calcanhares.

As raízes da revitalização moderna dos cultos pagãos datam pelo menos do século XVIII, incialmente como forma de exteriorização de um interesse antiquiário no passado, mais tarde como parte do movimento maçónico. O século XIX traz o romantismo e o nacionalismo, juntamente com o consequente enfoque nas origens primitivas dos povos e das suas identidades. Numa Europa que não deixava de ser fortemente cristã, multiplicam-se os estudos de mitologias e religiões e o cruzamento de elementos dos cultos antigos com sociedades esotéricas. As primeiras décadas do século XX assistem a um desenvolvimento dentro dos grupos ocultistas, que de implicitamente pagãos passam a identificar-se explicitamente nesse sentido. O ponto culminante desse processo é a revogação da lei britânica que proibia feitiçaria e a publicação dos trabalhos de Gerald Gardner, fundador do wicca, religião neopagã que combina elementos originais dos cultos antigos com folclore e formas rituais saídas directamente das tradições esotéricas judaico-cristãs. Viria a ser o principal veículo de popularização do oculto e práticas pagãs num pós-segunda guerra mundial hostil às mesmas, nomeadamente às germânicas, por força do uso que o nazismo fez delas.

As décadas de 1960 e 1970 trouxeram o próximo passo, quando os movimentos feminista e ambientalista em ascensão encontraram um veículo de expressão nos cultos a divindades femininas e em formas de adoração da Natureza. Surgem associações dedicadas ao neo-druidismo, multiplicam-se as variantes do wicca e nascem inúmeros grupos neopagãos centrados nas várias mitologias mediterrânicas e do norte da Europa. A Federação Pagã é fundada em 1971, enquanto na Islândia é criada a Íslenska Ásatrúarfélagið para organizar, realizar e promover o culto dos antigos deuses nórdicos. As duas décadas seguintes - 1980 e 1990 - assistem à formação do movimento reconstrucionista, que rejeita as influências românticas e esotéricas, dedicando-se antes ao estudo mais rigoroso e académico das religiões pré-cristãs para as revitalizar e reconstruir o mais fiél possível. Simultâneamente, o aparecimento da internet permitiu ultrapassar dificuldades de organização, reunião e de acesso às fontes de informação, quer pela abertura de bibliotecas online, quer pelo nascimento de comunidades virtuais como a Rede Internacional de Keméticos e a Rede Forn Sed, listas de discussão como a Reconstructionist Interfaith, a Mithras e a Hellenic Pagan e ainda páginas de organizações como a Nova Roma, a Imbas, a Associação de Tradições Politeístas e a Sociedade Juliano.

Todo este processo tem sido lentamente coroado de alguns êxitos de especial importância. O mais mediático de todos talvez seja a autorização do governo britânico para a realização das cerimónias de solstício de verão em Stonehenge, que entre 1984 e 2000 esteve vedado a festivais religiosos por motivos de conservação. Em 1973, o governo islandês reconheceu oficialmente o culto moderno dos deuses nórdicos, permitindo, desse modo, o uso de locais históricos, a validação de casamentos e a criação de cemitérios próprios. A Noruega e a Dinamarca seguiram-lhe o exemplo em 2003, enquanto no Reino Unido a Federação Pagã integra grupos de trabalho inter-religiosos do governo. À lista destes e de outros marcos junta-se agora a decisão judicial grega e a cerimónia de hoje em Atenas. Que se sigam muitos mais por essa Europa fora!

2 comentários:

pedro disse...

Por vezes gostava de ter vivido no tempo do Olimpo, dos deuses antigos. A barbárie parece que a vivemos nos nossos dias...

Abraço amigo,

p

Anónimo disse...

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