segunda-feira, junho 25, 2007

Orgulho, sem dúvida!

Sempre que há uma Marcha do Orgulho LGBT, há sempre quem venha criticá-la. É assim todos os anos e há-de continuar a ser por muito tempo. Acusam a iniciativa de ser exibicionista, de em nada contribuir para a igualdade de direitos, de ser uma forma de gueto auto-imposto e de a orientação sexual não ser algo de que se possa ter orgulho. Este último argumento é até rematado com a costumeira ideia de que não há um dia do orgulho heterossexual ou do ridículo que é celebrar o "orgulho branco". Um exemplo dessa linha de pensamento pode ser lido aqui. O que falta, no entanto, a quem critica ou manda abaixo, seja por homofobia ou por caso de armário interiorizado, é a percepção do que é ser homossexual e as discriminações a que se está sujeito por isso.

Vamos começar pelo básico. O que é a homossexualidade? É a atracção e comportamento sexual entre pessoas do mesmo sexo. Desenvolve naturalmente o mesmo tipo de manifestações que a heterossexualidade: expressão de sentimentos e afectos, relacionamento amoroso entre parceiros e, eventualmente, vida conjugal. É um homossexual identificável na via pública? A menos que exteriorize a sua orientação sexual por vontade própria, não, não é. Um homossexual não tem uma fisionomia distinta, nem os lugares-comuns de serem efeminados, no caso dos homens, ou masculizadas, no caso das mulheres, são uma necessidade natural ou um impulso genético. Isto quer dizer que todos os dias as pessoas são capazes de se cruzar, conversar ou sentar-se ao lado de homossexuais sem que disso tenham consciência. Na maior parte dos casos nem sequer assumem ser essa a orientação sexual da pessoa ao seu lado, uma vez que, numa sociedade que considera a heterossexualidade a norma, qualquer pessoa é heterossexual até prova em contrário. É assim sem exagero. A menos que uma pessoa o exteriorize - por maneirismos, tipo de roupa ou por manifestação pública de afectos - ninguém assume que A ou B é homossexual. O mesmo não sucede com outros grupos que são tradicionalmente vitimas de discriminação: racista, no caso dos de fisionimia distinta; misógena, no caso dos de sexo diferente. Toda e qualquer pessoa de raça ou sexo diferente tem características distintivas naturais imediatamente perceptíveis.

Os homossexuais não: podem ser negros, brancos ou orientais, podem ser homens ou mulheres, podem professar qualquer uma das religiões existentes ou nenhuma, podem ter problemas de mobilidade ou não, podem ser de qualquer filiação política, desportiva ou nenhuma, podem ser de qualquer nacionalidade, estrato social, grau de instrução ou profissão. São, por outras palavras, uma minoria imperceptível até prova em contrário. Pior que isso, são uma minoria cujo elemento identitário comum está directamente relacionado com tabus sexuais, o que apenas acresce ao silêncio a que a homossexualidade é muitas vezes sujeita. Daí a necessidade de os homossexuais se exporem, de se manifestarem, de virem para rua dizer o que são. Porque os tabus quebram-se expondo o que eles procuram silenciar, porque minorias cuja existência não é proclamada e constatada não são objecto de direitos. Os heterossexuais não andam a dizer qual a sua orientação sexual, porque ela já é socialmente assumida. Negros e mulheres não andam a dizer que são negros ou mulheres porque o seu corpo já o faz por si. Os homossexuais não e por isso eles e elas têm que manifestar a sua sexualidade por outros meios, incluindo a polémica marcha, sob pena de não terem igualdade plena na lei e na vida quotidiana.

Porquê Orgulho LGBT? Porque todos os dias há homossexuais, bissexuais e transsexuais a quem lhes é dito que eles deviam ter vergonha. Vergonha de serem como são, de andarem de mão dada com o namorado ou namorado, de darem um beijo na rua, de exteriorizarem sentimentos em público, de quererem partilhar uma vida com outra pessoa do mesmo sexo, por terem tomado a decisão de mudar de sexo... a lista é, infelizmente, enorme. Depois há que lhe acrescentar ainda as ofensas verbais ou agressões físicas de que são alvo, o desdém com que são tratados pelo poder político, pela justiça e pelas força policiais, as dificuldades por que passam no emprego... é preciso continuar?

Quando lésbicas, gays, bis e transsexuais passam por todas estas coisas, eles têm mais que motivos para virem para a rua gritar que têm orgulho em ser como são. É uma resposta à vergonha e medo que outros querem que eles sintam. Claro que os heterossexuais não precisam de se dizer orgulhosos da sua sexualidade, eles já podem beijar-se na rua, restaurantes e bares, não se arriscam a sofrer represálias dos pais se disserem que gostam do sexo oposto, não são ignorados ou gozados pela polícia e tribunais por serem heterossexuais, podem casar-se se assim o quiserem, ninguém os olha de lado por terem ou quererem ter uma vida conjugal. Os homossexuais não. E por isso mesmo saem à rua. Se não forem eles mesmos a dizerem que existem, ninguém o fará por eles. O seu próprio corpo não o faz por eles. E se eles não existirem aos olhos da sociedade e do poder político, não têm direitos.

O teu silêncio é a força da discriminação, gritou-se sábado na marcha. E com toda a razão!

1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente post, amigo heliocoptero!!