quinta-feira, julho 19, 2007

In Memoriam Dona Filipa de Lencastre

A 19 de Julho de 1415, faz hoje exactamente 592 anos, morria a rainha portuguesa Dona Filipa de Lencastre, mulher de El-Rei D. João I e mãe de uma das mais brilhantes gerações de toda a nossa História e à qual é justamente dado o epíteto de Ínclita.

Filha de João de Gaunt e Blanche de Lencastre, Filipa nasceu em Inglaterra a 31 de Março de 1360. O seu pai, filho do rei Eduardo III, era já um senhor inglês poderoso quando em 1377 foi feito regente de Inglaterra devido a menoridade do seu sobrinho e recém-coroado Ricardo II. A política inglesa passava, então, pelas mãos de João de Gaunt e assim continuaria quando em Lisboa se deu a revolução de 1383, a mesma que expulsou do poder Leonor de Teles e deixou vago o trono de Portugal enquanto o povo lisboeta elegia como Regedor e Defensor do Reino um hesitante D. João, Mestre de Avis. Era o começo do chamado Interregno que terminaria apenas ano e meio depois. Pelo meio, Lisboa foi ainda vítima de um cerco castelhano, longo mas mal sucedido por virtude da peste que se abateu sobre os sitiantes, e os portugueses venceram a batalha dos Atoleiros, mérito seja dado a Nuno Álvares Pereira. A 6 de Abril de 1385, as Cortes reunidas em Coimbra escolheram para Rei de Portugal o Mestre de Avis, eleição contestada sem sucesso pelo monarca castelhano nos campos de Aljubarrota a 14 de Agosto desse mesmo ano.

Com a independência nacional salva e a dinastia de Avis fundada, D. João I tratou de informar João de Gaunt do sucesso. A guerra com Castela inseria-se no contexto maior do conflito europeu da Guerra dos Cem Anos, na qual Inglaterra lutava contra França. A esta última aliaram-se os castelhanos, enquanto os portugueses, para melhor se oporem ao reino vizinho, juntaram-se aos ingleses. Eis porque em Aljubarrota lutaram também contigentes vindos de Inglaterra e de França, eis porque também o sucesso militar luso abriu caminho para o Tratado de Windsor, ratificado a 9 de Maio de 1386 e que estabeleceu entre os reinos português e inglês uma das mais antigas alianças da Europa. Para cimentar a amizade entre as duas nações, D. João I casaria com a filha de João de Gaunt, Filipa de Lencastre.

O matrimónio foi celebrado no Porto em 1387. A nova rainha encontraria uma corte portuguesa pobre e largamente inculta que logo tratou de instruir nos melhores costumes cortesãos da época e de abrir à cultura dos grandes centros da Europa de então. Disso mesmo é prova a requintada educação dos seus filhos, príncipes portugueses que constituiram uma das mais brilhantes gerações que este país já teve. Os infantes D. Henrique, o Navegador, D. Pedro, o das Sete Partidas, D. João, sucessor de Nuno Álvares no cargo de Condestável, D. Fernando, o Infante Santo, D. Duarte, mais tarde soberano de Portugal cognominado de O Eloquente ou O Rei-Filósofo, e ainda a Infanta Isabel, Duquesa de Borgonha por casamento com Filipe III, todos eles foram filhos de Filipa de Lencastre e D. João I. Todos eles, também, foram figuras importantes da cultura e política europeias de então e, por fim, conforme mandava o costume inglês que a sua mãe introduzira na corte portuguesa, todos eles escolheram para si uma divisa, um ideal pessoal ao qual procuravam subordinar a sua conduta individual. Talent de bien faire foi o do Infante D. Henrique, Pour bien o de D. João I, Désir o de D. Pedro, J'ai bien raison o de D. João.

Dona Filipa de Lencastre escolheu para si a divisa Il me plait. Adequadamente, já que para a História ficou a memória de uma rainha afável e amada. Indubitavelmente uma Grande Portuguesa vinda de fora, foi ela quem inaugurou o cosmopolitismo, abertura e cultura que caracterizou os Descobrimentos e a primeira metade da dinastia de Avis. Morreu dias antes da partida da expedição a Ceuta, de peste, tal como a sua mãe, não se sabe se em Odivelas ou se em Sacavém. É certo, no entanto, que Dona Filipa de Lencastre deixou-nos a 19 de Julho de 1415. Está sepultada no mesmo túmulo que o seu marido e junto aos dos seus filhos na Capela do Fundador no Mosteiro da Batalha. Dela escreveu Fernando Pessoa o seguinte poema:


Que enigma havia em teu seio
Que só génios concebia?
Que arcanjo teus sonhos veio
Velar, maternos, um dia?

Volve a nós teu rosto sério,
Princesa do Santo Graal,
Humano ventre do Império,
Madrinha de Portugal!


2 comentários:

Anónimo disse...

Para quem gosta de história e da idade média (e ainda tem o gosto -BOM- de gostar de O Principezinho, dos Monthy e da Galiza), aconselho vivamente Os Pilares da Terra de Ken Follet (2 volumes) e Dona Filipa de Lencastre de Isabel Stilwell, este último uma verdadeira biografia da Raínha muito bem contextuada na epoca. Boa leitura, Teresa

Anónimo disse...

Adorei o livro "Filipa de Lencastre, a Raínha que mudou Portugal", figura que me fascinou. Assim como tb gosto dos Monthy, do Principezinho, da Galiza, das Astúrias, da Cantábria, tb aconselho vivamente Ken Follet (os Pilares, pq este multifacetado autor escreve sobre temas muito variados!)