Um douto ignorante chamado Saramago
José Saramago, exemplo acabado da autocomiseração nacional que se queixa que tudo vai mal e que a democracia portuguesa é rarefeita - não obstante o ter-se pronunciado um apoiante de Fidel Castro - vem em entrevista ao Diário de Notícias dizer que não é profeta, mas que Portugal acabará por se integrar em Espanha. Fala da diversidade linguística e de nacionalidades no país vizinho, de como tudo parece funcionar num sistema justo e equilibrado e que apenas o País Basco pede uma separação de Espanha. Não se sabe muito bem em que país viverá Saramago, se no Estado espanhol ou num ermitério algures no Pacífico, mas a sua ignorância sobre a questão linguística e nacional em Espanha é tal que é motivo para perguntar se o Nobel da Literatura finge não saber porque lhe interessa ou se é pura e simplesmente ignorante. Veja-se alguns dos pontos desta entrevista.
Quando olhamos para a Península Ibérica o que é que vemos? Observamos um conjunto, que não está partida em bocados e que é um todo que está composto de nacionalidades, e em alguns casos de línguas diferentes, mas que tem vivido mais ou menos em paz.
Não, caro Saramago, as diferentes línguas não têm vivido em paz. A ditadura franquista apenas admitia o castelhano e procurou extinguir todos os restantes idiomas e nas últimas décadas têm-se multiplicado os esforços para recuperar, normalizar e oficializar plenamente o basco, o catalão e o galego-português nas suas respectivas terras nativas. Das três é a Catalunha a que mais sucessos tem conseguido, com uma orientação reintegracionista oficial nas Baleares e o recentemente aprovado Estatuto de Autonomia que estabeleceu, pela primeira vez, o dever de saber catalão. Um marco importante, tendo em conta que o castelhano era, até há pouco tempo, a única língua cujo conhecimento era um dever legal em Espanha. Co-oficialidade plena implica reciprocidade de direitos e deveres, porque só se assim se atinge completa igualdade linguística no dia-a-dia. Caso contrário, o direito de usar catalão esbarra quando se contacta com uma funcionária, polícia ou juíz que apenas sabe castelhano por não ter o dever de conhecer outro idioma.
Já na Galiza e no País Basco, a situação das línguas nativas deixa muito a desejar como se pode constatar através de casos como este em que um basco foi condenado por se recusar a usar um tradutor em tribunal, ou este em que a Guarda Civil na Galiza declarou que iria usar apenas e só o castelhano, ou este que ilustra a dificuldade de educar as crianças galegas em galego, ou este de uma mulher que foi despedida por usar galego, ou este de três pessoas que foram condenadas por se oporem à legalização da toponímia castelhana na Galiza, ou este que demonstra as raízes políticas da marginalização do galego na Galiza e ainda este em que o Tribunal Superior de Justiça da Galiza rejeitou o direito de atendimento em galego. É esta a paz de Saramago? E que dizer ainda dos confrontos linguistícos em Valência, onde o uso e reintegração do catalão é menosprezado, marginalizado e até alvo de agressões como esta? José Saramago ou é cego ou faz-se passar por tal, proclamando noções de paz e justiça tão podres quanto algumas ideias dele.
A única independência real que se pede é a do País Basco e mesmo assim ninguém acredita.
Eis a doce ignorância iberista que prefere fingir que tudo vai bem no Reino de Espanha. Muito se deve esforçar Saramago para ignorar que a Esquerda Republicana catalã, que por acaso até faz parte do governo autónomo catalão, defende a independência da Catalunha e até fez questão de o lembrar recentemente (ver aqui). Também não lhe deve ter ocorrido que o mesmo defende, em última análise, o Bloco Nacionalista Galego que, vá-se lá saber porquê, é também parte do governo autónomo no seu país e até obteve bons resultados nas últimas eleições galegas. A douta ignorância de Saramago também não contempla certamente os dados dos estudos de opinião que demonstram que mais de 35% dos catalães apoiam a independência da Catalunha, como se pode ver por exemplo aqui. Até já chegaram a ser 43%, mas isto são números que não devem caber na cabeça de Saramago.
Repito que não se deixaria de falar, de pensar e sentir em português. Seríamos aqui aquilo que os catalães querem ser e estão a ser na Catalunha.
O que muitos catalães querem ser é o mesmo que Portugal. O que muitos catalães querem ter é aquilo que nós temos: independência de Espanha! Até porque há motivos históricos para isso: a revolta portuguesa de 1640 resultou porque o Estado espanhol estava ocupado com uma revolta idêntica na Catalunha. A ignorância de Saramago é também histórica, pelos vistos.
11 comentários:
Bem dito !!!!
por isso é que eu me considero uma cidadã do mundo... entre gente que se respeita não são necessárias fronteiras políticas para manter a individualidde
desafio-te a um "sabes que etás na feira medieval de óbidos quando...." LOL
Ainda ninguém explicou ao Señor Saramago porque é que a ETA anda a pôr bombas em Espanha?
Excelente post.
Realmente o Sr Saramago mostra nunca saber do que está a falar. Deve ser para ele difícil constatar a realidade espanhola lá da ilha perdida onde vive no Atlântico.
Fazem-me lembrar as declarações tristes que teve quando se propos mudar a feira do livro de sitio...
"Ainda ninguém explicou ao Señor Saramago porque é que a ETA anda a pôr bombas em Espanha?"
loool...deve ser porque os eatrras tb querem uma "Iberia"...
Mas, no cômputo final, quem dá crédito a um homem que considera Cuba um exemplo dos Direitos Humanos?
Queria é informar que venho de fazer referência no blogue "O levantador de minas" a uma outra entrevista realizada a Saramago em Compostela. Nessa ocasião falava em extenso de sua visão da Galiza.
Novo artigo "Pax iberica" n' O levantador de minas: http://olevantadordeminas.blogaliza.org/2007/07/26/323/
Infelizmente so posso sentir vergonha do "senhor Saramago" ter nascido no meu querido Portugal.
Tanta ignorancia, valha-nos D*us!
Abaixo o "iberismo" viva Portugal.
Ok, este discurso é ainda mais radical que o do Sr. Saramago. Se é dito que viveu mais ou menos em paz, não sei de onde se tirou a conclusão que o que Saramago disse foi que o reino de Espanha era o paraíso. Não se podendo ignorar a cultura que foi desenvolvida pelas diferentes regiões da península, podemos também ter um pouco de visão para perceber que podíamos funcionar como um pais, com várias línguas e tiques culturais distintos dentro da mesma base cultural e sem fronteiras geográficas, que estas sim são as únicas que fazem algum sentido. A cultura do orgulhosamente sós não faz sentido, temos demasiados interesses comuns para ficar de costas voltadas, cada um por si irá prejudicar-nos. Fique também esclarecido que não é um Reino que se pretendo (Deus já não tem o poder de escolher merda nenhuma).
Atenção ao discurso por ódio, leva a não ler as coisas bem.
"Se é dito que viveu mais ou menos em paz, não sei de onde se tirou a conclusão que o que Saramago disse foi que o reino de Espanha era o paraíso"
Das próprias palavras de Saramago, que fala de diversidade linguistica em Espanha como se os diferentes idiomas das diferentes comunidades autónomas fossem integralmente respeitados e protegidos pelo Estado espanhol. Saramago ou é ignorante ou finge sê-lo apenas para proveito das suas próprias ideias.
"...podemos também ter um pouco de visão para perceber que podíamos funcionar como um pais, com várias línguas e tiques culturais distintos dentro da mesma base cultural e sem fronteiras geográficas..."
Posso apenas depreender que para você dizer isto é porque não leu ou não quis ler os exemplos de como a diversidade linguística é tratada em Espanha.
"A cultura do orgulhosamente sós não faz sentido..."
Eu nunca sugeri uma solução de orgulhosamente sós, já que acredito numa confederação europeia em que Portugal seja um elemento soberano e não uma região que dependa de um Estado espanhol para se fazer representar integralmente nas instâncias europeias à semelhança do que, infelizmente, acontece hoje com os galegos, catalães e bascos.
"Fique também esclarecido que não é um Reino que se pretendo (Deus já não tem o poder de escolher merda nenhuma"
É-me indiferente que seja um Estado ibérico em república ou em monarquia: o meu problema não é com a forma do regime, mas sim com a própria ideia de união ibérica. Portugal deve depender apenas de si mesmo na Europa e não de um Estado espanhol.
"Atenção ao discurso por ódio, leva a não ler as coisas bem"
O meu ódio será, quando muito, para com as ideias defendidas por Saramago e não para com ele, apesar de eu achar o dito senhor um bimbo de primeira que tem um sério problema de autoestima, mete os pés pelas mãos em tudo o que não seja literatura e que ele devia preocupar-se mais em escrever e menos em mandar tiradas geo-políticas da boca p'ra fora apenas para chamar a atenção de todos para o seu carente umbigo.
Interesting post
Enviar um comentário