quinta-feira, janeiro 03, 2008

Adenda

Foi antes do que tinha em mente, mas cá vai. Novo blogue aqui, sem garantias de qualquer regularidade de publicações.

sábado, outubro 20, 2007

Finito!

Este blogue termina aqui.

Porque se avizinha uma rotina diferente na vida do autor, porque é-me exigido um período de reflexão, porque há ramos doentes por cortar e porque, na antevisão de novos começos, pede-se que se abra uma nova página depois de se por outras tantas para trás das costas (and not in the good way). Ficam duas certezas: que este blogue não será apagado nos próximos tempos e que parte do que aqui foi escrito será posteriormente reeditado, quiça de um modo mais refinado, num novo blogue a abrir num futuro não muito distante e que será devidamente anunciado neste espaço.

Um agradecimento aos leitores do Coroas. Durante este interregno ver-nos-emos apenas pelas caixas de comentários.

terça-feira, setembro 18, 2007

Sentar e olhar


À espera de descobrir se este blogue termina e se tem ou não sucessor...

terça-feira, agosto 14, 2007

Batalha de Aljubarrota - 622 anos

Foi numa quente tarde de 14 de Agosto de 1385 que Portugal vingou nos campos de São Jorge, seis mil portugueses e uns quantos ingleses contra trinta mil castelhanos e um punhado de franceses. Foi no confronto que recebeu o nome de Aljubarrota que o Mestre de Avis confirmou a sua eleição como rei D. João I de Portugal. Foi no dia de hoje, há 622 anos atrás, que Nuno Álvares Pereira viveu a sua hora mais alta enquanto génio militar, devoto patriota e líder de força anímica. Com ele triunfou em definitivo a revolução portuguesa de 1383: a independência estava garantida, uma nova dinastia fundada e abria-se um novo capítulo durante o qual nos iriamos inscrever na História e cultura universais. O pai da Ínclita Geração fazia-se rei e o nosso país entrava num dos períodos mais abertos e cosmopolitas da sua existência enquanto Nação.


Num Portugal ideal, hoje e não amanhã seria feriado nacional. Honrar-se-ia não uma religião em particular, mas antes a mais mítica e aclamada de todas as batalhas portuguesas, aquela que mais povoa o imaginário popular e é sinónimo de identidade portuguesa. Prestar-se-ia a devida homenagem a homens como o Santo Condestável e a todos os que morreram pela Pátria, tanto naquela tarde de 14 de Agosto, como nos séculos anteriores e posteriores. Num Portugal ideal, hoje seria dia para os recordar, a eles e ao triunfo do engenho, do saber, da coragem e da confiança contra adversários maiores. Fica a nota, ainda que sem o muito merecido feriado.

quarta-feira, julho 25, 2007

Mulheres contra-natura


Rafaela Fernandes, deputada no parlamento regional da Madeira pelo PSD, é da opinião que "a função das mulheres é, precisamente, a da procriação", apelidando o aborto de decisão contra-natura. Esperemos que a dita senhora se manifeste de igual modo contra as mulheres que de sua livre vontade decidem ingressar na celibatária vida religiosa do catolicismo e que demonstre a mesma revolta da próxima vez que a Igreja Católica lançar uma campanha de apelo à vida clerical. Há que ser coerente, cara Rafaela Fernandes!

Dia da Galiza

Tradicionalmente o Dia de Santiago, 25 de Julho é também o Dia da Galiza. A escolha da data não está isenta de polémicas pelas tradições político-religiosas que lhe estão associadas, mas para efeitos oficiais é hoje a efeméride em que se honra a Pátria Galega. O dia interessa a um português porque não se está a comemorar Espanha no seu conjunto, mas apenas a nacionalidade história de uma parte do Estado espanhol, mais concretamente aquela que foi o berço da língua portuguesa e a génese de Portugal.

Não é demais lembrar que a lusofonia nasceu na Galiza, que D. Afonso Henriques falava na mesma língua que era usada a norte do rio Minho e que as conquistas portuguesas levaram o idioma para sul até ao Algarve. Há que lembrar que El-Rei D. Dinis escreveu em galego-português medieval e que foi essa a língua, a originária da Galiza, que ele tornou oficial em Portugal e que constitui a forma antiga do idioma português. Há que ter em mente que a quebra dessa unidade linguística ainda no século XV não se ficou a dever a uma hipotética evolução natural do galego, mas que teve origem na imposição do castelhano como única língua das elites políticas e religiosas na Galiza, levando a que a norte do rio Minho o nosso idioma ficasse privado de protecção oficial, de uma tradição escrita erudita e se resumisse à quase completa oralidade. Muito ao contrário do que sucedeu com o galego-português em Portugal. Foi preciso esperar pelo século XIX para na Galiza surgirem homens e mulheres de cultura que voltassem a tentar escrever a sua língua nativa e neles encontrava-se já a génese do reintegracionismo galego, ou seja, da recuperação da forma nativa língua galega, naturalmente limpa do peso de séculos de influência do castelhano, próxima do português padrão e, como tal, parte da Lusofonia. Não foi por mero acaso que as reuniões que deram origem aos dois Acordos Ortográficos da Língua Portuguesa contaram com a presença de uma delegação galega.

Tudo isto faz de portugueses e galegos irmãos, de Portugal e da Galiza nações gémeas, porque de um único núcleo nasceram as duas. Basta recordar que a faixa noroeste da Península Ibérica era tido como parte do território galego nos primeiros séculos da "Reconquista Cristã", que quando Fernando I de Leão e Castela morreu e o seu império foi dividido pelos seus filhos, a Garcia coube o Reino da Galiza no qual se inseria o Condado Portucalense. Foi contra o mesmo Garcia, aliás, que o conde portucalense Nuno Mendes tentou, sem sucesso, declarar em 1071 a independência de Portucale. A sua derrota daria, no entanto, origem ao Reino da Galiza e Portugal, o mesmo que a mãe de Afonso Henriques e Fernão Peres de Trava tentaram recriar.


Do sul para o norte do rio Minho, uma saudação aos galegos e desejos de que um dia sejam uma nação soberana.

quinta-feira, julho 19, 2007

Dois orçamentos e duas medidas

O mesmo PSD que há quase um mês atrás avançou com esta proposta para a reforma do sistema eleitoral que, entre outras coisas, postulava uma redução do número de deputados em nome da eficiência e da poupança, veio agora votar favoravelmente uma proposta que permite que cada parlamentar tenha o seu próprio assistente (notícia aqui).

Há obviamente um problema de prioridades. Numa democracia plural e salutar, o normal seria manter ou até aumentar o actual número de deputados de modo a preservar ou melhorar a diversidade e representatividade político-partidária no hemiciclo. Basta lembrar que o parlamento sueco tem 349 deputados para uma população de nove milhões, ou que o parlamento finlandês tem 200 deputados para cerca de cinco milhões e duzentos mil habitantes. Em Portugal somos pouco mais de dez milhões, temos 230 representantes da Nação na Assembleia da República e, ainda assim, o PSD acha que são demais e quer reduzi-los para 180. Já no que diz respeito a serviços de assessoria, o mesmo partido é favorável a um aumento de pessoal de modo a que cada deputado tenha o seu próprio assistente, como se o argumento economicista que pretende limitar a pluralidade parlamentar fosse convenientemente esquecido a bem de mais clientelismo. Porque, afinal, um assessor para cada parlamentar equivale, em termos práticos, ao mesmo que duplicar o número deputados, logo há obviamente uma inversão de critérios no que ao gasto do orçamento parlamentar diz respeito. Prefere-se bipolarização a pluralismo, clientelismo a diversidade parlamentar.

Argumenta o socialista António Seguro a favor da medida que, e passo a citar, "um bom exercício da função de deputado justifica o apoio. Nem toda a despesa é má despesa, a eficiência não se obtém a custo zero". Certamente que não, mas há investimentos e investimentos. Há os necessários e há os despesistas e de despesismo percebemos nós quando se trata de contratar assessores, consultores, assistentes e secretários para os dirigentes locais e nacionais. Veja-se o caso recente da Câmara Municipal de Lisboa. Ou, a título de exemplo, considere-se o seguinte:

Porque é que o Presidente da República português, chefe de Estado com poderes mínimos, precisa de 39 consultores e assessores só na Casa Civil, quando a Presidente da Finlândia, chefe de Estado com funções mais vastas que as de Cavaco Silva, tem apenas 11 pessoas no seu serviço de apoio, conselheiros e ajudantes militares incluidos? Se não acreditam, comparem aqui e aqui. Não consta que a Finlândia esteja pior que Portugal, apesar de ser mais contida nas despesas de eficiência com serviços de assessoria...

In Memoriam Dona Filipa de Lencastre

A 19 de Julho de 1415, faz hoje exactamente 592 anos, morria a rainha portuguesa Dona Filipa de Lencastre, mulher de El-Rei D. João I e mãe de uma das mais brilhantes gerações de toda a nossa História e à qual é justamente dado o epíteto de Ínclita.

Filha de João de Gaunt e Blanche de Lencastre, Filipa nasceu em Inglaterra a 31 de Março de 1360. O seu pai, filho do rei Eduardo III, era já um senhor inglês poderoso quando em 1377 foi feito regente de Inglaterra devido a menoridade do seu sobrinho e recém-coroado Ricardo II. A política inglesa passava, então, pelas mãos de João de Gaunt e assim continuaria quando em Lisboa se deu a revolução de 1383, a mesma que expulsou do poder Leonor de Teles e deixou vago o trono de Portugal enquanto o povo lisboeta elegia como Regedor e Defensor do Reino um hesitante D. João, Mestre de Avis. Era o começo do chamado Interregno que terminaria apenas ano e meio depois. Pelo meio, Lisboa foi ainda vítima de um cerco castelhano, longo mas mal sucedido por virtude da peste que se abateu sobre os sitiantes, e os portugueses venceram a batalha dos Atoleiros, mérito seja dado a Nuno Álvares Pereira. A 6 de Abril de 1385, as Cortes reunidas em Coimbra escolheram para Rei de Portugal o Mestre de Avis, eleição contestada sem sucesso pelo monarca castelhano nos campos de Aljubarrota a 14 de Agosto desse mesmo ano.

Com a independência nacional salva e a dinastia de Avis fundada, D. João I tratou de informar João de Gaunt do sucesso. A guerra com Castela inseria-se no contexto maior do conflito europeu da Guerra dos Cem Anos, na qual Inglaterra lutava contra França. A esta última aliaram-se os castelhanos, enquanto os portugueses, para melhor se oporem ao reino vizinho, juntaram-se aos ingleses. Eis porque em Aljubarrota lutaram também contigentes vindos de Inglaterra e de França, eis porque também o sucesso militar luso abriu caminho para o Tratado de Windsor, ratificado a 9 de Maio de 1386 e que estabeleceu entre os reinos português e inglês uma das mais antigas alianças da Europa. Para cimentar a amizade entre as duas nações, D. João I casaria com a filha de João de Gaunt, Filipa de Lencastre.

O matrimónio foi celebrado no Porto em 1387. A nova rainha encontraria uma corte portuguesa pobre e largamente inculta que logo tratou de instruir nos melhores costumes cortesãos da época e de abrir à cultura dos grandes centros da Europa de então. Disso mesmo é prova a requintada educação dos seus filhos, príncipes portugueses que constituiram uma das mais brilhantes gerações que este país já teve. Os infantes D. Henrique, o Navegador, D. Pedro, o das Sete Partidas, D. João, sucessor de Nuno Álvares no cargo de Condestável, D. Fernando, o Infante Santo, D. Duarte, mais tarde soberano de Portugal cognominado de O Eloquente ou O Rei-Filósofo, e ainda a Infanta Isabel, Duquesa de Borgonha por casamento com Filipe III, todos eles foram filhos de Filipa de Lencastre e D. João I. Todos eles, também, foram figuras importantes da cultura e política europeias de então e, por fim, conforme mandava o costume inglês que a sua mãe introduzira na corte portuguesa, todos eles escolheram para si uma divisa, um ideal pessoal ao qual procuravam subordinar a sua conduta individual. Talent de bien faire foi o do Infante D. Henrique, Pour bien o de D. João I, Désir o de D. Pedro, J'ai bien raison o de D. João.

Dona Filipa de Lencastre escolheu para si a divisa Il me plait. Adequadamente, já que para a História ficou a memória de uma rainha afável e amada. Indubitavelmente uma Grande Portuguesa vinda de fora, foi ela quem inaugurou o cosmopolitismo, abertura e cultura que caracterizou os Descobrimentos e a primeira metade da dinastia de Avis. Morreu dias antes da partida da expedição a Ceuta, de peste, tal como a sua mãe, não se sabe se em Odivelas ou se em Sacavém. É certo, no entanto, que Dona Filipa de Lencastre deixou-nos a 19 de Julho de 1415. Está sepultada no mesmo túmulo que o seu marido e junto aos dos seus filhos na Capela do Fundador no Mosteiro da Batalha. Dela escreveu Fernando Pessoa o seguinte poema:


Que enigma havia em teu seio
Que só génios concebia?
Que arcanjo teus sonhos veio
Velar, maternos, um dia?

Volve a nós teu rosto sério,
Princesa do Santo Graal,
Humano ventre do Império,
Madrinha de Portugal!


domingo, julho 15, 2007

Um douto ignorante chamado Saramago

José Saramago, exemplo acabado da autocomiseração nacional que se queixa que tudo vai mal e que a democracia portuguesa é rarefeita - não obstante o ter-se pronunciado um apoiante de Fidel Castro - vem em entrevista ao Diário de Notícias dizer que não é profeta, mas que Portugal acabará por se integrar em Espanha. Fala da diversidade linguística e de nacionalidades no país vizinho, de como tudo parece funcionar num sistema justo e equilibrado e que apenas o País Basco pede uma separação de Espanha. Não se sabe muito bem em que país viverá Saramago, se no Estado espanhol ou num ermitério algures no Pacífico, mas a sua ignorância sobre a questão linguística e nacional em Espanha é tal que é motivo para perguntar se o Nobel da Literatura finge não saber porque lhe interessa ou se é pura e simplesmente ignorante. Veja-se alguns dos pontos desta entrevista.

Quando olhamos para a Península Ibérica o que é que vemos? Observamos um conjunto, que não está partida em bocados e que é um todo que está composto de nacionalidades, e em alguns casos de línguas diferentes, mas que tem vivido mais ou menos em paz.

Não, caro Saramago, as diferentes línguas não têm vivido em paz. A ditadura franquista apenas admitia o castelhano e procurou extinguir todos os restantes idiomas e nas últimas décadas têm-se multiplicado os esforços para recuperar, normalizar e oficializar plenamente o basco, o catalão e o galego-português nas suas respectivas terras nativas. Das três é a Catalunha a que mais sucessos tem conseguido, com uma orientação reintegracionista oficial nas Baleares e o recentemente aprovado Estatuto de Autonomia que estabeleceu, pela primeira vez, o dever de saber catalão. Um marco importante, tendo em conta que o castelhano era, até há pouco tempo, a única língua cujo conhecimento era um dever legal em Espanha. Co-oficialidade plena implica reciprocidade de direitos e deveres, porque só se assim se atinge completa igualdade linguística no dia-a-dia. Caso contrário, o direito de usar catalão esbarra quando se contacta com uma funcionária, polícia ou juíz que apenas sabe castelhano por não ter o dever de conhecer outro idioma.

Já na Galiza e no País Basco, a situação das línguas nativas deixa muito a desejar como se pode constatar através de casos como este em que um basco foi condenado por se recusar a usar um tradutor em tribunal, ou este em que a Guarda Civil na Galiza declarou que iria usar apenas e só o castelhano, ou este que ilustra a dificuldade de educar as crianças galegas em galego, ou este de uma mulher que foi despedida por usar galego, ou este de três pessoas que foram condenadas por se oporem à legalização da toponímia castelhana na Galiza, ou este que demonstra as raízes políticas da marginalização do galego na Galiza e ainda este em que o Tribunal Superior de Justiça da Galiza rejeitou o direito de atendimento em galego. É esta a paz de Saramago? E que dizer ainda dos confrontos linguistícos em Valência, onde o uso e reintegração do catalão é menosprezado, marginalizado e até alvo de agressões como esta? José Saramago ou é cego ou faz-se passar por tal, proclamando noções de paz e justiça tão podres quanto algumas ideias dele.

A única independência real que se pede é a do País Basco e mesmo assim ninguém acredita.

Eis a doce ignorância iberista que prefere fingir que tudo vai bem no Reino de Espanha. Muito se deve esforçar Saramago para ignorar que a Esquerda Republicana catalã, que por acaso até faz parte do governo autónomo catalão, defende a independência da Catalunha e até fez questão de o lembrar recentemente (ver aqui). Também não lhe deve ter ocorrido que o mesmo defende, em última análise, o Bloco Nacionalista Galego que, vá-se lá saber porquê, é também parte do governo autónomo no seu país e até obteve bons resultados nas últimas eleições galegas. A douta ignorância de Saramago também não contempla certamente os dados dos estudos de opinião que demonstram que mais de 35% dos catalães apoiam a independência da Catalunha, como se pode ver por exemplo aqui. Até já chegaram a ser 43%, mas isto são números que não devem caber na cabeça de Saramago.

Repito que não se deixaria de falar, de pensar e sentir em português. Seríamos aqui aquilo que os catalães querem ser e estão a ser na Catalunha.

O que muitos catalães querem ser é o mesmo que Portugal. O que muitos catalães querem ter é aquilo que nós temos: independência de Espanha! Até porque há motivos históricos para isso: a revolta portuguesa de 1640 resultou porque o Estado espanhol estava ocupado com uma revolta idêntica na Catalunha. A ignorância de Saramago é também histórica, pelos vistos.

sábado, julho 14, 2007

Pedalar ou acomodar

Diz Vital Moreira nesta entrada do Causa Nossa que Helena Roseta merece o prémio de demagogia nas eleições municipais de Lisboa por ela ter dado em aparecer de bicicleta na capital portuguesa. Remata o Professor que pedalar na urbe alfacinha (ou no Porto ou em Coimbra) só se for de "mountain bike", ao que eu pergunto se haverá, de facto, demagogia da parte da arquitecta candidata ou se Vital Moreira fala com o mesmo comodismo e falta de visão tão frequente nas elites nacionais.

Tendo eu estado um ano na Suécia - e digo isto não para me pavonear, mas para poder afirmar que falo por experiência própria - tive a oportunidade de constatar e experimentar em primeira mão o uso diário e frequente da bicicleta como meio de transporte urbano e até interurbano. Nunca mais me esqueço de nas minhas primeiras semanas em Uppsala, altura em que vivia numa aldeia a dez quilómetros da cidade, ter visto um homem de fato e gravata sair de sua casa no campo e seguir de bicicleta para o seu emprego. Como ele vi outros tantos, desde figuras públicas como o líder da Igreja Sueca a académicos de renome, passando por funcionários do Estado, trabalhadores comuns e estudantes, literalmente milhares de pessoas a darem ao pedal para as suas deslocações diárias, fosse a que horas fosse, nem que morassem fora da cidade. Até porque a rede de ciclovias não existia apenas dentro de Uppsala, mas estendia-se às aldeias mais próximas num raio de pelo menos dez quilómetros.

Poder-se-à argumentar que o relevo sueco é propício a isso. Não nego que na Suécia central o terreno não seja em grande parte plano, mas é apenas isso: em grande parte! Tanto a cidade como a paisagem rural em redor têm os seus declives mais acentuados, as suas ruas ou estradas mais inclinadas e muitas delas, ainda assim, com ciclovias. E posso garantir que não é era pela inclinação que as pessoas deixavam de as usar. Em caso de dificuldade, os suecos, sempre práticos, não tinham qualquer problema em desmontar das bicicletas, fazer as subidas mais puxadas a pé e depois prosseguirem novamente a pedal. Na Suécia não se sofre do mesmo comodismo endémico que em Portugal. E tive outra prova disso mesmo quando uma estudante natural do norte sueco - onde o terreno é mais montanhoso - partilhou comigo um detalhe da rotina do seu avô. Ele, vivendo numa casa na encosta de uma colina, tem o mercado mais próximo na parte baixa da localidade, pelo que é seu hábito descer até lá de bicicleta e voltar para casa subindo a pé o que não consegue pedalar. E friso o detalhe de isto ser uma prática de uma pessoa de terceira idade. Olhe-se para os jovens e homens de meia idade portugueses e quantos deles não tremem e reclamam ao mínimo sinal de terreno inclinado...

Para mais, do mesmo modo que em Lisboa se aponta o relevo como impedimento à criação de ciclovias, também na Suécia se podia fazer o mesmo com as condições metereológicas. Afinal, sendo um país nórdico, para quê investir em caminhos para bicicletas se eles vão estar cobertos de neve e gelo metade do ano? Se Vital Moreira morasse no norte da Europa talvez ele argumentasse que só com correntes nas rodas e, no entanto, os suecos lá pedalam até no Inverno. Na neve e no gelo se possível e preciso for. E se se depararem com um percurso traiçoeiro ou perigoso há sempre uma solução: desmonta-se e faz-se a pé a parte mais impraticável. Sem comodismos, uma vez mais.

Em Lisboa, no entanto, nem nas áreas onde o terreno é plano se vislumbra sequer um projecto de ciclovias. Faça-se a pergunta de quantas estão previstas no famigerado Plano de Reabilitação da Baixa-Chiado para se perceber a importância que as elites não dão aos transportes alternativos. Ou não é a Rua Augusta e respectivas paralelas, o Rossio, os Restauradores, a Praça da Figueira, o Martim Moniz e toda a frente ribeirinha terreno plano? E as avenidas 5 de Outubro, da República e de Berna? A Rua da Palma e a Avenida Almirante Reis? O relevo é propício a bicicletas, o espaço até nem falta, mas o modelo de mobilidade urbana é o mesmo: obsoleto, retrógado e irresponsável! Alguns argumentam que não vale a pena investir em ciclovias para umas quantas áreas dispersas. Discordo. Lisboa tem vias de acesso planas em quantidade suficiente além de que nunca se pensou em cruzar o uso da bicicleta com uma boa rede de transportes públicos para ultrapassar as barreiras naturais mais puxadas.

Por exemplo, a Rua da Palma e a Avenida Almirante Reis têm uma inclinação mais leve que a Avenida da Liberdade e vão da Baixa ao Areeiro. Pelo caminho, permitem a ligação por terreno plano à Estefânia e à Praça de Londres por via da Rua Pascoal de Melo e a Avenida de Paris, respectivamente. E uma vez num dos dois sítios têm-se acesso por terreno pouco acidentado ao Técnico, ao Hospital Dona Estefânia, ao Campo Mártires da Pátria, a Picoas e ao Saldanha, às entradas das avenidas 5 de Outubro e da República, à Gulbenkian e à Praça de Espanha. Ao lado do El Corte Inglês, a subida a pé da muito inclinada, mas curta ligação entre as avenidas António Augusto Aguiar e Sidónio Pais dá acesso ao Parque Eduardo VII e Jardim da Amália por via da plana Alameda Cardeal Cerejeira, por sua vez uma rota para as Amoreiras sem ser preciso subir a Joaquim António de Aguiar. E se alguns acham a Avenida da Liberdade demasiado inclinada para subir, todos a acham óptima para descer, pelo que não existe motivo para não ter uma ciclovia para quem queira pedalar num ou em ambos os sentidos.

E se o terreno não facilita a vida, porque não adaptar os eléctricos e os elevadores para o transporte de bicicletas no exterior traseiro e frontal? Um cidadão que estivesse na Baixa e quisesse chegar a Picoas podia pedalar até ao Lavra, subir a encosta no elevador e continuar a pedalar já no Campo Mártires da Pátria. Ou subir dos Restauradores até ao Miradoiro de São Pedro de Alcântara pela Glória sem nunca ter que desistir do uso da bicicleta.

Dir-se-ia que este sistema não permite o acesso a qualquer rua. Mas também de carro se tem o mesmo problema, com vias interditas ao trânsito e outras apenas com um sentido, obrigando o condutor a dar voltas até chegar exactamente onde quer. E se não é por isso que se diz ser impossível circular de automóvel, porque é que há-de impedir a circulação de bicicletas? Dir-se-ia também que não há espaço para a passagem de mais eléctricos na cidade e que eles entopem o trânsito, mas isso sucede precisamente porque se privilegiou o automóvel individual como meio de transporte em Lisboa. Subjugou-se o modelo de mobilidade e a organização do espaço urbano ao uso do carro em vez de se apostar nos transportes colectivos e alternativos a bem de uma cidade mais harmoniosa, mais saudável, mais ecológica e mais agradável de se habitar. Não houve e, a julgar pelas palavras de Vital Moreira, continua a não haver vontade para acabar com o comodismo generalizado, a não haver coragem, sentido de responsabilidade, visão e um pouco de imaginação para ultrapassar as barreiras naturais e constuir uma Lisboa de século XXI.

quinta-feira, julho 12, 2007

Óbidos Medieval 2007

Começa hoje mais uma edição do Mercado Medieval de Óbidos. Subordinado ao tema A Terra e o Céu - O Homem e Deus - Religio versus Supertitio, durante dez dias a vila dentro de muralhas vai retroceder no tempo e encher-se de torneios, mercados, artes e ofícios medievais, inúmeros trajados à época, música e recriação do quotidiano e entretenimento de tempos idos. Este ano a organização optou por não emitir um programa integral uma vez que, e passo a citar do blogue oficial do evento, "os espectáculos e a animação acontecem hora-a-hora. Normalmente, à noite, existe um espectáculo que funciona como atracção maior." Ainda assim, uma apresentação do Mercado Medieval de Óbidos em pdf encontra-se disponível aqui.


Ide a Óbidos e regozijai! :p

A excepção polaca - Protesto (iii)

Parece que o secretariado do Partido Socialista Europeu anda a responder às mensagens de protesto. A Fuckitall já recebeu uma resposta e eu dei pela minha há uns minutos atrás. Passo a citar na integra:

Dear Madam/Sir,

It is with great interest that I have received your mail related to the reform of the Treaties, expressing your concerns about the unilateral declaration by Poland on the Charter of Fundamental Rights.

As you are probably aware, the Socialist Group in the European Parliament has welcomed the decision of the European Council to convene an Intergovernmental Conference. We also welcomed a number of aspects of the mandate, while regretting some shortcomings and notably the derogations granted to some Member States. As stated in the parliamentary report drafted by PES Member of Parliament Jo Leinen: "The mandate allows for an increasing number of derogations granted to Member States from the implementation of major provisions of the envisaged Treaties that could lead to a weakening of the cohesion of the Union".

In this respect we fully share your concerns about the derogation granted to Poland in the field of fundamental rights. We do believe indeed that this derogation may lead to double standards in Europe, and this in a policy area at the very heart of our ethical values.

Therefore I can ensure you that our Group will carefully follow the work of the IGC, especially with regard to this matter.

Yours,
Anna Colombo
Secretary General of the PES Group in the European Parliament


Suponho que seja igual à recebida pela Fuckitall . Afinal, a Europa dos valores essenciais ainda mexe alguma coisa nas altas instâncias políticas comunitárias. Aguardemos por mais respostas e desenvolvimentos, mas enquanto isso o protesto continua!

terça-feira, julho 10, 2007

A excepção polaca - Protesto (ii)

Houve um problema com dois contactos de correio electrónico que estavam, ao que parece, desactualizados. A coisa já foi corrigida e a entrada anterior já contém novos endereços para a Secretária-Geral da Esquerda Unida/Esquerda Verde Nórdica e o Secretário-Geral da Aliança de Liberais e Democratas para a Europa.

Aproveito também para informar que já seguiu uma mensagem electrónica para 28 associações e organizações LGBT de quase todos os Estados membros (Polónia incluida) a explicar-lhes o conteúdo da notícia do El Pais e a pedir-lhes para passarem a palavra e o protesto ao máximo de pessoas possivel nos seus países. As minhas desculpas aos galegos por terem-na recebido em inglês, mas era da maneira que ia logo tudo de uma vez. Quem estiver fora de Portugal, mas dentro da União Europeia pode sempre dar mais um contributo e pedir a amigos e grupos que conheçam para que também eles enviem a mensagem ao Durão e aos grupos parlamentares europeus.

Entretanto, aqui vai uma lista dos blogues que até agora se juntaram à campanha:

André Benjamim, A Vila, Cinéfilos Anónimos, Devaneios Desintéricos, Felizes Juntos, Fractura.Net, Musicólogo, My Hopes and Dreams, O Bico de Gás, O Reino dos Fins, Renas e Veados, Um átomo a mais que se animou, Womenage a Trois

segunda-feira, julho 09, 2007

A excepção polaca - Protesto (i)

Conforme foi noticiado pelo jornal El Pais e referido pelo Max e pelo Boss, ainda durante a presidência alemã da União Europeia foi aprovado um documento prévio que deverá dar forma ao novo tratado europeu e que contém, no parágrafo 18, uma cláusula de "excepção moral" que permitirá ao governo polaco vedar aos seus cidadãos o acesso à justiça europeia sempre que considere estar em causa os chamados "valores da família". Como do processo europeu tal como ele está a ser conduzido eu já espero tudo e mais alguma coisa, decidi, em conjunto com o Max, lançar uma nova campanha de envio de mensagens de correio electrónico.

O objectivo é simples: evitar que a dita cláusula passe de provisória a efectiva no novo tratado europeu. Para isso proponho que se envie o seguinte texto que coloco aqui já em inglês de modo a ser mais prático:

Dear Mister/Miss ...,

Europe, as a community united around common political institutions, stands on the principles of Freedom, Equality and Fraternity, respect for Human Rights and the rule of Law. These are essential values of the European process and union and criterions to which applying countries must abide before becoming members and, as such, it is only natural to expect that a new European treaty would uphold those same principles. That is not, however, what one concludes when reading a clause of paragraph 18 of the draft document approved still during the German presidency that seeks to establish a legal exception that allows the Polish government to, according to its particular moral standards, determine if the citizens of Poland may or may not appeal to the European courts.

If this clause makes it to the final version of the new European treaty, it will, in practice, pronounce the end of the rule of Law in the European Union and, as a consequence, the disrespect of one of the basic principles on which a united Europe was built. It would equal to an acceptance that fundamental Rights and Duties apply differently to different European citizens depending on the private moral standards of the members of their national governments. It would equal to an acceptance that the right to appeal to a European court would depend on the moralist approval of a national executive. It would, in the end, be reason enough to ask why is Turkey denied the right to be part of the European Union based on its disrespect of Human Rights when Poland is allowed an exemption on that same topic.

As such, as a European, I come to ask you to prevent the inclusion of that clause of paragraph 18 in the final version of the new European treaty so that it may preserve and uphold the principle that in the European Union fundamental Rights and Duties apply to all its citizens regardless of their nationality, political opinions, race, religious belief, gender or sexual orientation.

Signed,


Segue-se a lista de destinatários e respectivos endereços para onde devem enviar a mensagem. Enviem para todos eles de modo a maximizar o protesto:

Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia: sg-web-president@ec.europa.eu
Anna Colombo, Secretária-Geral do Partido Socialista Europeu: anna.colombo@europarl.europa.eu
Maria D'Alimonte, Secretária-Geral da Esquerda Unida/Esquerda Verde Nórdica: maria.dalimonte@europarl.europa.eu
Alexander Beels, Secretário-Geral do Grupo da ALDE: alexander.beels@europarl.europa.eu
Partido Popular Europeu: epp-ed@europarl.europa.eu
Verdes/EFA: contactgreens@europarl.europa.eu

Para o Primeiro-Ministro Português só mesmo copiando a mensagem e enviando por aqui.

Bem sei que são muitos contactos, mas, à excepção do Sócrates, basta copiar todos os endereços e enviar de uma vez só para a Comissão Europeia e os grupos políticos do Parlamento Europeu. Agradecia aos blogueres que aderirem à campanha que deixassem uma nota na caixa de comentários de modo a manter-se uma lista actualizada da adesão.

Agora é convosco!

domingo, julho 08, 2007

E depois os gays é que estão "baralhados"

A II Marcha do Orgulho LGBT do Porto teve lugar ontem, contando com a participação de mais de duzentas pessoas, a presença da realizadora Raquel Freire - uma das madrinhas do evento - e o apoio da Juventude Socialista, do Bloco de Esquerda e do Partido Humanista, cujos representantes se juntaram à manifestação. Lendo esta notícia da RTP sobre o evento, descobre-se que houve um senhor que assistia e que ficou "baralhado" por ter visto marchar dois conhecidos seus. A mesma pessoa terá dito ainda, e passo a citar, que teria "um grande desgosto se tivesse um filho ou um neto assim".

O que este caso revela é aquilo que já aqui se tinha dito anteriormente: numa sociedade onde a heterossexualidade é tida como norma, qualquer pessoa é heterossexual até prova em contrário. A homossexualidade não se manifesta na cor da pele, cabelo ou olhos, não provoca uma fisionomia distinta e não origina qualquer maneirismo que seja universal a todos os gays e lésbicas. Por isso mesmo o tal senhor ficou "baralhado" quando viu dois conhecidos seus, porque ele, como todos os portugueses, cruzam-se e convivem diariamente com homossexuais que, por não exteriorizarem a sua orientação sexual por vontade própria, são tidos como heterossexuais. E minorias silenciosas e invisíveis são minorias que não podem ser objecto de direitos por não existirem aos olhos da sociedade e da classe política, motivo pelo qual elas precisam de se manifestar em marchas como a que o tal senhor acha "nojenta". Mal deve ele desconfiar que todos os dias, ao sentar-se diante da televisão, passa-lhe pela vista uma série de gays e lésbicas a apresentar reportagens e noticiários, programas de entretenimento, a representar em telenovelas e até a jogar dentro das quatros linhas dos campos de futebol. Aliás, nunca lhe deve ter ocorrido a possibilidade de alguns dos jogadores de futebol cujos posteres são exibidos nas paredes dos quartos dos filhos ou netos poderem ser homossexuais. O mundo do desporto, tal como qualquer outra actividade profissional, não está isento de diversidade de orientações sexuais. Descobri-lo iria certamente deixar o dito senhor ainda mais "baralhado", ou não estivessemos nós num país onde todos são heterossexuais até prova em contrário e onde o facto de não haver uma única grande figura pública que tenha a coragem de ser honesta apenas atrasa a igualdade de direitos entre Portugueses. O que seria um Portugal onde um Cristiano Ronaldo se assumisse como homossexual?

Já agora, se não há uma marcha do orgulho heterossexual - a critica tantas vezes proferida pelos homofóbicos ou casos de armário interiorizado - é precisamente porque ninguém tem "um grande desgosto" por ter um filho ou neto que goste do sexo oposto. Aos heterossexuais os seus pais, o Estado e os tribunais não dizem que eles devem ter vergonha ou medo de serem como são.